O reencontro

- Michael?

- Tia Lola!

Lola Anderson abraçou o sobrinho que aparecera à porta do trailer dela, depois de meses de ausência.

- Nem acreditei quando ligou dizendo que viria - observou a tia, ao receber Alan Michael Anderson na sala de estar/jantar do trailer. - E olha que moro na cidade vizinha...

Michael desculpou-se pela ausência, enquanto a tia lhe servia um café.

- Eu arranjei um trabalho... à noite... e antes, o dinheiro andava curto até para pôr gasolina para o carro.

E tomando um gole de café:

- Mas agora, tudo vai melhorar!

- Amém! - Exclamou a tia, juntando as mãos. E, com ar matreiro:

- Mas não veio me ver só para dizer que tinha arranjado um emprego, não foi? Isso, podia dizer por telefone...

Michael sorriu.

- É difícil te enganar, tia. Na verdade, preciso de algumas informações... conheci o namorado da prima Blanch; é um Chaban, ucraniano. Reconheci pela tatuagem na mão esquerda, já havia visto nos noticiários da TV, sobre a guerra.

Lola Anderson ergueu os sobrolhos.

- Desde quando você se interessa pelos namorados da Blanch, Michael?

O sorriso de Michael tornou-se amarelo.

- Bom... na verdade, não tenho interesse em saber quem a Blanch namora, isso é da conta dela; mas me lembrei de que a senhora sabe tudo sobre histórias e tradições dos clãs.

- Isso pode ser verdade - replicou Lola Anderson, estreitando os olhos. - Mas também me lembro de que você nunca se interessou pela história dos clãs, muito menos dos clãs da Europa. De onde veio essa súbita curiosidade, Michael?

Michael, naturalmente, não podia dizer a verdade; havia assinado um acordo de não-divulgação. Com sangue.

- Eu... tenho ouvido muitas histórias sobre a guerra na Ucrânia, e o envolvimento de alguns clãs em crimes de guerra - mentiu. - Não gostaria que uma prima minha estivesse metida com esse tipo de gente. Mesmo que fosse a Blanch.

Lola Anderson olhou-o em silêncio por alguns instantes, como se estivesse avaliando o que acabara de ouvir.

- Não há com o que se preocupar, Michael. Vou até arriscar um palpite: os Chaban que vivem neste país, nada tem que ver com os que ficaram na Ucrânia.

- Como tem certeza disso, tia? - Questionou Michael.

- Tudo começou com o colapso da União Soviética - recordou Lola Anderson, pensativa. - Uma parte dos Chaban saiu da Ucrânia assim que as restrições de imigração para o Ocidente foram removidas; provavelmente, os pais do namorado de Blanch pertencem a este grupo. Já os Chaban que ficaram, eram nacionalistas; deve ser desses que você ouviu falar. Quando estourou a guerra civil, o clã combateu as facções pró-Rússia, e todo tipo de atrocidade foi cometido, de parte a parte.

- Acredita que esses Chaban, ou seus parentes, poderiam estar tentando asilo político em nosso país?

- Tudo é possível - admitiu Lola Anderson. - Não sei como funciona essa questão de asilo político, mas creio que agora a demora para avaliar o pedido seja grande. Você sabe, ninguém quer possíveis criminosos de guerra vivendo em seu país.

- E os parentes deles... mulheres, filhos? - Insistiu Michael.

- Uma guerra é particularmente cruel com mulheres e crianças, Michael. Não acredito que estejam conseguindo vir da Ucrânia para cá sozinhos.

Michael emudeceu. Sabia que alguém estava efetivamente trazendo essas pessoas, clandestinamente. E, certamente, não com a melhor das intenções.

- [18-04-2021]