Reunião de família

- Cadê o Michael, tia?

Lilwen Anderson parou de preparar cachorros-quente e virou-se para olhar quem a interpelara. Era um sobrinho, Haulfrun Reddish, cujo cabelo vermelho era uma característica de família.

- Estava colocando a cerveja no gelo, da última vez que o vi - replicou.

- E assim fica mais perto das geladas - avaliou Haulfrun. - Estranhei que não estivesse cuidando do churrasco... parece até que está se escondendo dos parentes!

E estava, pensou Lilwen. Fazia apenas uma semana que Alan Michael Anderson começara a trabalhar no novo emprego, mas alguma coisa mudara nele. O filho sempre fora calado, mas agora mal abria a boca.

- Está cansado - minimizou, voltando a colocar salsichas cozidas em pães. - Conseguiu um trabalho à noite na Hexenringe, você deve saber.

- As cafeterias já são um lugar estranho, imagino como deve ser no depósito deles, depois que escurece... - comentou Haulfrun, mão no queixo.

- Aproveite que está sem fazer nada, e vá servir estes cachorros-quentes - sugeriu Lilwen para encerrar o assunto, apontando para uma bacia plástica cheia de sanduíches.

Haulfrun foi fazer o que a tia lhe ordenara, e começou a circular entre os membros dos clãs Anderson e Reddish, reunidos no camping de trailers onde parte deles vivia, em trailers e motocasas, como o próprio Alan Michael.

- Cheguei faz meia hora, e nem sinal do Michael - comentou, ao entregar os cachorros-quentes para um grupo de parentes que jogavam faraó, ao redor de uma mesa de plástico redonda.

- Desconfio que Michael virou vegetariano - ironizou Arnold Anderson, banqueiro do jogo, charuto no canto da boca. - E vê se traz uma cerveja pro seu tio, que já estou com a garganta seca de gritar com esses incompetentes.

Com a bacia parcialmente vazia, Haulfrun deu a volta aos trailers estacionados até o local onde a cerveja havia sido colocada num grande isopor cheio de gelo, sobre um carrinho com rodízios. E, ao lado da caixa, finalmente avistou Michael sentado numa cadeira de praia, long neck na mão.

- O que cê tá fazendo aqui, sozinho? - Questionou Haulfrun, colocando a bacia no chão e pegando uma cerveja em lata no isopor.

- Estou vigiando a cerveja, claro - afirmou o primo, pegando um cachorro-quente.

- Conversa! - Retrucou Haulfrun, acocorando-se ao lado do primo. - Aposto que está se escondendo para não ter que falar do trabalho na Hexenringe.

- Isso também - admitiu Michael. - Não posso contar nada do que acontece lá dentro, nem pra minha mãe.

- Longe de mim querer lhe pressionar, - disse Haulfrun - pode ficar de boa. O pessoal está jogando faraó enquanto o churrasco não fica pronto; ninguém vai perguntar nada enquanto rola o carteado.

- E quando servirem o churrasco, vão estar de boca cheia - ponderou Michael. - Bom, talvez aí seja uma boa hora para aparecer.

- Estão pedindo cerveja lá no carteado - lembrou Haulfrun. - Me ajude a levar o isopor, e você faz uma social com o povo. Depois, pode se esconder de novo.

Michael admitiu que era uma boa ideia. Ergueu-se, e junto com Haulfrun, começou a puxar o carrinho com as cervejas para o ponto onde a maior parte dos dois clãs estava reunido. Circulou pelos grupos de parentes, cumprimentando uns e outros, até topar com um rapaz que não conhecia, e que estava acompanhando uma de suas primas, Blanch Reddish.

- Conhece meu namorado, Alan Michael? - Indagou Blanch.

- Heorhij Danylovych Chaban, prazer - apresentou-se o convidado, estendendo-lhe a mão. Ao apertá-la, Michael olhou para a mão esquerda do mesmo e viu no dorso um símbolo que lembrava o que vira em sua primeira noite no depósito, na mão de uma das refugiadas.

- Este símbolo... o que representa? - Indagou para Chaban.

- É a identificação do clã Chaban, da Ucrânia - informou o rapaz. - Somos uma antiga família de licantropos, como vocês.

- E os seus adotados também usam esta identificação? - Inquiriu Michael.

- Não; somente licantropos - afirmou Chaban com orgulho.

Blanch riu.

- Meu primo Alan Michael é adotado, amor.

Michael fez uma careta. A prima sabia ser desagradável quando queria.

- Perdão - desculpou-se o estrangeiro. - Não queria ofender...

- Sossegue, não levei a mal - redarguiu com um sorriso tranquilizador. - E há muitos do seu clã aqui, por causa da guerra?

- Na verdade, não tenho muito contato com os Chaban que vieram da Ucrânia depois da guerra; - admitiu o rapaz - minha família mudou-se para cá quando eu ainda era bebê...

- Entendo - comentou Michael. - Então não faz ideia de outros Chaban, recém-chegados?

- Que tenham vindo como refugiados? Não, não faço ideia - admitiu o rapaz.

Haulfrun interrompeu a conversa para avisar que o churrasco estava pronto. O grupo da mesa de faraó ergueu-se, quase que de imediato.

- Você não virou vegetariano, não é, Michael? - Indagou Arnold Anderson ao passar por ele, dando-lhe uma palmada nas costas.

- Se virasse, você não teria nada com isso - atalhou Lilwen Anderson, puxando o filho pelo braço.

- [17-04-2021]