Onde andará Pierre
Quando Plácido me matou, num dia seco de agosto de 1982, Evangeline já havia viajado com o ponteiro de seu rádio AM de um canto a outro do painel por uma centena de vezes, na esperança de ouvir alguma notícia, uma informação, menção que fosse do paradeiro do irmão, saído de manhã de bicicleta para comprar, entre outros bagulhos, uma mangueirinha de gás pra cozinha do apartamento.
Pobre francesinha! Nem a BBC, nem a Radio Française, nem a Nacional de Java, a Rádio Suécia em português, a Rádio Havana, nenhuma se manifestou sobre o desaparecimento de Pierre. Nem a Voz da América nem Moscou se sensibilizaram – e olha que ela chorava de quase perder as lentes de contato – nem a Rádio Venceremos, ninguém e nada pareciam se preocupar com Pierre. Claro, também a culpa era dele. Na certa, não teria ido comprar nas Americanas nem no Jumbo, na certa tinha ido até a Ceilândia, seu nicho, tomar uma aqui, outra ali, conversar com os piões, quem sabe o que não fizeram depois do almoço, a folga deles, pois é.
Pois não, empresto sim, ela já estava vendo Pierre falando português de erres arrastados, pigarreantes, rindo e emprestando grana pro proletariado candango todinho, sem garantia nenhuma, nenhum cheque pré-datado, pelo menos um papel assinado, uma promissória, qualquer coisa... E as emissoras continuando sua programação sem se comover com suas lágrimas, seguindo a transmitir noticiários, noveletas, música, programas culturais, etcétera etcétera e quetais.
Se eu tivesse podido voltar do outro mundo, para onde me mandaram sem eu pedir, voltaria. Claro, ainda bem não sei dos procedimentos deste outro mundo – de que já estou gostando - não vou arriscar a dizer que é possível voltar, pois pode não ser. Quem me garante? Mas pudesse eu, voltaria e contaria a Evangeline as duas histórias, a minha e a de seu irmão. A dele primeiro, pra que ela se acalmasse, sabendo que Pierre está bem vivo, aguardando o dia seguinte para ser solto, não foi hoje apenas porque era tarde e não encontraram o senhor Cônsul em casa – recepções, com certeza - e carecia de esperar pela manhã para resolver os burocráticos da coisa.