Você era esperado
A mãe fez questão de que lanchasse, antes de sair para a primeira noite de trabalho. Ficou encarando-o com ar triste, enquanto ele comia, na mesa da cozinha.
- Quando me disse que havia conseguido uma colocação, fiquei feliz, Michael; mas quando soube que era na Hexenringe, me deu um aperto no coração - admitiu Lilwen Anderson, derramando mais café na caneca dele.
Alan Michael Anderson pressionou as palmas das mãos contra a porcelana do recipiente, sentindo o calor percorrer seus dedos. Só então tomou um longo gole, olhando nos olhos da mãe como se nada tivesse a esconder.
- É um trabalho como outro qualquer; não há razão para se preocupar, mãe. Eu fui na agência de empregos.
Mas omitiu a parte de que não havia conseguido a vaga através da agência de empregos. Não era dessa forma que a rede Hexenringe recrutava seus funcionários...
- Essa é a única parte dessa história que me deu alguma tranquilidade - confessou a mulher de cabelos grisalhos. - Se os sídhe estão contratando pelas vias legais, talvez estejam se tornando mais humanos, afinal.
- Todos os que encontrei nas lojas da rede, eram humanos, mãe - observou Anderson.
- Em regra, eles são - redarguiu a senhora. - Os sídhe não gostam de aparecer em público; quase sempre usam prepostos no dia a dia. Mas como não vai trabalhar numa loja, é possível que tenha contato com sídhe de verdade; seja sempre respeitoso com eles, irritam-se com facilidade.
Anderson balançou a cabeça em concordância, enquanto mastigava um pedaço de empadão de frango. Lilwen pareceu lembrar-se de algo e franziu a testa.
- Você não deu o seu nome verdadeiro para eles, não é? - Inquiriu.
- Não, mãe. Disse que me chamassem de Miguel.
- E como vão lhe contratar se não colocar seu nome na papelada?
A adaga furando o dedo e o sangue pingando no pergaminho lhe veio à mente. Mas simplificou a operação, ao responder:
- Não há papelada... apenas um contrato de prestação de serviços com vinculação mágica. O pagamento vai ser feito em contas numeradas; os sídhe prezam o sigilo, a senhora sabe.
- Até um pouco demais, Michael - comentou Lilwen de modo ambíguo.
* * *
A noite já caíra quando Anderson, mochila às costas, desceu do ônibus na estrada, próximo ao depósito central da Hexenringe. O galpão, única construção digna de nota num raio de quilômetros, era de tamanho mediano, externamente bem iluminado e cercado por tela galvanizada. Ele dirigiu-se à guarita, com uma barreira pintada de branco e vermelho, à frente do estabelecimento. O guarda colocou a cabeça para fora ao vê-lo.
- Miguel?
- Me conhece? - Replicou Anderson, intrigado.
- Ninguém desce nessa parada de ônibus depois que escurece, sem ser esperado - redarguiu o guarda com um sorriso sardônico. - Eu sou Ewdin; nossos turnos coincidem, portanto vamos nos ver noite sim, noite não.
E estendeu a mão para Anderson, que a apertou.
- O chefe da segurança é Vaddon; você deve encontrá-lo no andar superior, há uma escada pela esquerda quando passar pela entrada - disse Ewdin, apontando para a entrada do depósito. - O jantar é à meia-noite.
Anderson agradeceu as informações prestadas e seguiu pelo caminho indicado. O interior do galpão estava movimentado e feericamente iluminado, com empilhadeiras carregando e descarregando de caminhões, caixas de papelão e sacas de gêneros alimentícios, aparentemente café. Grupos de homens com capacetes brancos e macacões verdes com o logotipo "Hexeringe" em amarelo nas costas, circulavam pelo local; ninguém lhe deu qualquer atenção.
Ao desviar o olhar para a escada metálica que conduzia à administração, no andar superior, viu que era atentamente observado do topo da mesma: um grande lobo cinzento, de olhos amarelos. Sem aparentar surpresa, Anderson começou a subir e parou, dois degraus abaixo do patamar onde estava o lobo.
- Permissão para subir, Vaddon - solicitou, antes de ajoelhar-se para ficar abaixo do nível dos olhos do lobo, e curvando respeitosamente a cabeça.
[14-04-2021]