O gerente da noite
A atendente bateu duas vezes na porta do escritório, nos fundos da cafeteria. Uma voz masculina respondeu lá de dentro:
- Entre!
A moça abriu e fez um gesto para que Alan Michael Anderson - ou Miguel, como este se apresentara - passasse na frente dela. Ele adentrou uma saleta, com estantes atulhadas de utensílios ocupando paredes opostas, e uma escrivaninha ao fundo, coberta por papéis, um terminal de computador e um aparelho telefônico. Por trás da mesa, um homem de cerca de 40 anos, cabelos escuros, o observou com tranquila curiosidade. Usava uma gravata borboleta verde sobre a camisa branca de mangas compridas, o que geralmente identificava os gerentes de loja da rede Hexenringe. Na parede atrás dele, estava pendurada uma pintura representando um pilriteiro florido num campo verde.
- É um postulante, Miguel - disse Owena, antes de fechar a porta e deixar Anderson a sós com o gerente.
- Miguel... - repetiu o homem, mão no queixo. Depois, indicou as duas cadeiras vazias à frente da escrivaninha. - Sente-se, vamos conversar.
Anderson sentou-se na cadeira da esquerda, mãos nas coxas.
- Ao aceitar o pedaço de bolo, você deu o primeiro passo para se tornar um membro da nossa família - declarou o gerente, inclinando-se na cadeira sem tirar os olhos de Anderson. - Está ciente disso?
Anderson balançou a cabeça afirmativamente.
- Sei que toda oferta dos sídhe tem um preço - redarguiu. - Se quero trabalhar para vocês, devo aceitar as suas regras.
O gerente pareceu satisfeito com a resposta.
- Ninguém é enganado para entrar ao nosso serviço... ao menos, aqueles que nos procuram voluntariamente - ressaltou, com um sorriso sardônico. - Mas, Miguel não é o seu nome, não é? Não parece ser espanhol ou português...
- Miguel é o nome pelo qual podem me chamar - recitou Anderson de modo polido, mas firme.
O gerente ergueu as mãos, num gesto apaziguador.
- Entendo a sua reserva, e não vou exigir que me dê seu nome verdadeiro logo de cara. Da mesma forma, aqui sou conhecido por Derwen; ou, apenas gerente, na maior parte do tempo.
E inclinando o corpo para a frente:
- O que você sabe fazer, Miguel?
- Eu sou agente de segurança. Mas também posso trabalhar como vigia, faxineiro, auxiliar de depósito... topo qualquer parada - admitiu.
Derwen voltou a recostar-se na cadeira, mãos cruzadas no colo.
- Talvez eu tenha uma vaga pra você no nosso depósito central... na segurança ou no almoxarifado. Nas lojas, só temos pessoal especializado... e você não é barista, nem caixa. Também está meio velho para ser atendente...
Anderson manteve a expressão neutra ao ouvir aquelas palavras; só queria o emprego.
- Se está mesmo disposto a entrar para o nosso serviço, antes de mais nada terá que assinar um acordo de não-divulgação... - prosseguiu o gerente. - Sabe o que isso significa?
Anderson aquiesceu.
- Não vou poder falar sobre o trabalho, mesmo para minha família.
Derwen ergueu o indicador direito.
- Nem para sua mulher ou namorada, caso as tenha.
Voltou à posição relaxada anterior.
- Claro, você terá uma ocupação legítima dentro da nossa organização, pela qual receberá o piso salarial do sindicato; mas a sua OUTRA atividade, muitíssimo melhor remunerada e que é o verdadeiro motivo da sua contratação, deverá permanecer em segredo. Se algo for revelado, você fique ciente de que haverá consequências; graves.
- Sou um homem de palavra - afirmou Anderson, sentindo a garganta seca. Estava começando a pensar se não teria ido longe demais, ao aceitar um emprego dos sídhe. O que a mãe diria, pensou? Certamente, "nunca confie num sídhe".
Como se estivesse lendo seus pensamentos, o gerente abriu uma gaveta e dali retirou dois pergaminhos amarelados, cobertos por runas miúdas, e uma adaga com cabo de prata.
- O contrato está pronto - informou, erguendo a adaga que reluziu sob a lâmpada da saleta. - Só vou precisar de uma gota do seu sangue em cada via.
- [13-04-2021]