Magia programada
Bethia entrou no meu estúdio de trabalho e olhou ao redor, como se estivesse procurando algo; na verdade, estava.
- Onde você guarda os grimórios? - Indagou finalmente.
- Não uso mais - informei, abrindo a gaveta sob minha prancheta de desenhista e exibindo um pen drive preto, com um sigilo dourado gravado nele. - Isso aqui é muito mais prático; tenho centenas de grimórios gravados nessa mídia, que posso levar para qualquer lugar.
Bethia ergueu os sobrolhos.
- Qualquer lugar que tenha eletricidade - redarguiu com altivez. - O problema com as bruxas modernas, é que se tornaram excessivamente dependentes de eletricidade...
Apontei para um grande cristal de quartzo, na estante ao lado da prancheta.
- Isso aqui parece suficientemente tradicional pra você? Uso pra armazenar eletricidade e recarregar meus apetrechos durante viagens.
Ela demonstrou surpresa por um instante, mas recompôs-se rapidamente.
- Sim, Portia... mas como faz para carregar a sua... bateria de cristal? - Inquiriu.
Movi as mãos no ar para invocar uma pequena bola de plasma; em seguida, lancei-a contra o cristal na estante. Ele refulgiu por um instante, e depois o brilho se apagou lentamente. Bethia balançou a cabeça, aparentemente dando-se por satisfeita.
- Vejo que tem respostas para tudo.
- Pelo menos para as que fez até agora - admiti. - Veja, só quero que entenda uma coisa: o fato de que me valho da tecnologia atual, não me torna menos bruxa do que você.
Bethia levou a mão ao peito, parecendo magoada.
- Não foi essa a minha intenção. Se lhe dei essa impressão, peço desculpas...
- Tudo bem, sei que não teria vindo me procurar apenas para saber se continuo usando grimórios. É justamente o meu conhecimento da tecnologia moderna que lhe interessa, não é?
Os olhos de Bethia iluminaram-se; ela juntou as mãos, como que em oração.
- Já viu como todo mundo aqui tem perfil no tal de Omnibook?
- Todo mundo quem? - Retruquei com uma ponta de sarcasmo. - Eu mesma, não uso.
Agora, eu conseguira realmente surpreender Bethia.
- Não usa por quê?
Indiquei-lhe uma cadeira de braços ao lado da prancheta.
- Melhor você se sentar, a história é longa...
Com minha ouvinte devidamente acomodada, tomei assento no banco estofado da prancheta e comecei a falar:
- Já ouviu falar em algoritmos? Não? Supostamente, são técnicas de programação usadas para destacar - ou ocultar - informações nas redes sociais. Mas o que eu realmente descobri, é que eles são feitiçaria do mais alto nível, programada para aprimorar a si mesmo sem interferência humana.
- Chocada - murmurou Bethia. - Mas com qual objetivo?
- Para quê você queria aprender sobre Omnibook? - Inquiri, encarando-a.
- Bem, estava pensando... - ela começou de modo cuidadoso, como se temesse estar falando alguma besteira. - Se todo mundo coloca foto lá, ficaria muito mais fácil lançar um feitiço contra a pessoa escolhida.
Abri um sorriso complacente.
- E o que você acha que o Omnibook está fazendo? - Redargui.
- [10-04-2021]