Por conta da casa
- Meu mestre tem um recado para você - declarou Andrei Hagi, ao deparar-se com Evrawg Corfield à sua frente, na ladeira que conduzia ao hotel Oirr Ny Marrey. Hagi era um homenzinho de aspecto inexpressivo, e embora pálido, parecia estar ainda bem vivo. Não era exatamente o que Corfield esperava encontrar, embora seus sentidos aguçados sentissem a presença do lich por trás dos olhos mortiços de Hagi.
- Você sabe quem eu sou? - Indagou o policial.
- Evrawg Corfield, sargento-detetive da polícia galesa; e um licantropo - Hagi concedeu-lhe um sorriso descorado.
Corfield balançou a cabeça, acatando as informações.
- Muito bem. E quem é o seu mestre?
- Alguém muito poderoso, e que teria grande interesse em tê-lo ao seu serviço.
- Imagino por qual razão - redarguiu Corfield. - Bem, podemos conversar sobre isso num local mais... reservado.
- Espero que não esteja querendo sugerir a delegacia? - Retrucou Hagi, mostrando os dentes.
- Creio que não iria voluntariamente, portanto não vou sugerir - replicou Corfield. - Mas, se não se importar em embarcar na viatura que está parada mais abaixo na rua, posso levá-lo até o excelente Hexenringe Café, recentemente inaugurado nesta cidade.
- Para que seus colegas humanos me prendam? - Hagi arqueou as sobrancelhas.
- Eles nada farão contra você sem que eu determine - tranquilizou-o Corfield. - E então? Me acompanha?
- Nenhum de vocês é páreo para o poder do meu mestre - afirmou Hagi. - Está bem, vamos ao local que citou; mas, por precaução, os outros dois policiais devem sair da viatura.
Corfield hesitou, mas finalmente pegou o transceptor digital e comunicou:
- Preciso que saiam do carro e deixem as chaves no contato; convenci Hagi a me acompanhar ao Hexenringe Café, e peço que nos dêem trânsito livre. Também solicito que todos os frequentadores da cafeteria sejam retirados, apenas o pessoal de serviço deve ser mantido. Compreendido?
Dentro da viatura, Gilbert olhou para Margaret, que estava com as duas mãos apoiadas no volante.
- Podemos confiar nesse seu amigo? - Questionou o sargento.
- Melhor fazer como ele disse - replicou ela, com ar cansado.
* * *
Quando Corfield e Hagi entraram na cafeteria, a noite já havia caído. O salão estava vazio, apenas a atendente loura os aguardava por trás do balcão.
- Fastyr mie! - Saudou-os ela.
- Fastyr mie! Mesa para dois - replicou Corfield, com uma piscadela.
- A casa está à disposição de vocês - declarou a atendente, sorrindo.
- Então, que tal trazer um prato de bonnag para o visitante? - Sugeriu Corfield.
- Com prazer! - Disse a atendente, pegando um bloco de pedidos e virando-se para Hagi. - Como se chama, senhor?
- Andrei Hagi - informou o interpelado, testa franzida. - O que tem nesse bonnag? Sonífero?
A atendente riu.
- É apenas o melhor bonnag da ilha, senhor Hagi, recheado com frutas secas e passas. Eu posso comer qualquer um da bandeja para lhe provar que não queremos envenená-lo!
- Não queremos - repetiu Corfield solenemente.
Hagi deu-se por vencido.
- Está bem; vou aceitar o seu bonnag... e um espresso grande.
- Para mim, um latte macchiato e dois bolos galeses - pediu Corfield, após uma rápida olhada no cardápio.
- Boa escolha, detetive - aprovou a atendente, anotando em seu bloco de notas.
* * *
Quando Reuben Gilbert e Margaret Freemantle entraram no Hexenringe, Corfield e Hagi estavam terminando a refeição. O galês fez um gesto para o convidado, que comia os bonnag recheados com deleite.
- Vieram lhe buscar - declarou.
- Posso pelo menos terminar de comer? - Indagou Hagi em tom súplice. - Isso é simplesmente divino!
Corfield virou-se para Gilbert, que fez um aceno afirmativo de cabeça.
- Ele confessou? - Indagou Margaret.
- O assassinato de Orchid Jellis? Certamente - informou Corfield. - E só. O senhor Hagi não é o responsável pelas mortes anteriores, infelizmente; no ataque precedente, ele era tão somente um adolescente de 14 anos.
- Mas ele não é um lich? - Questionou Gilbert, mão no queixo. - Ou, ao menos, foi o que você nos disse.
Corfield suspirou.
- Eu estava certo... em parte. Hagi não é um lich, mas está sendo usado por um, extremamente poderoso. Tanto que foi capaz de drenar a vida da pobre garota à distância, através do seu preposto aqui presente.
Margaret e Gilbert olharam para o galês com ar de dúvida.
- Não creio que possamos tomar nenhuma atitude em relação ao mestre de Hagi, isso está acima da nossa alçada - afirmou. - Mas o caso de vocês está resolvido, correto?
- Bem... sim - admitiu Gilbert. - E como vamos levá-lo para a delegacia? O lich não fará nada para defender o servo?
Corfield abanou negativamente a cabeça.
- Estamos dentro de um Hexenringe, não é? Hagi estava tão preocupado com a possibilidade de que tentássemos lhe derrubar com soníferos, que acabou dando seu nome verdadeiro para a nossa simpática Iorwen ali - relatou, fazendo um gesto para a atendente atrás do balcão.
Ela sorriu para eles, exibindo agora dentes ligeiramente pontudos.
- Portanto, Hagi está neutralizado - prosseguiu Corfield. - Podem colocar as algemas de prata e conduzi-lo para a delegacia.
Ergueu-se da mesa e solicitou:
- A conta, por favor, Iorwen.
E olhando para Hagi:
- O senhor Hagi vai ficar devendo à casa.
- [Fim da Primeira Parte]
- [05-04-2021]