Presente de grega

     Páris conta que seu irmão Menelau veio morar com ele por uns tempos na capital até achar emprego Tudo ia bem, até notar que a conta do telefone tinha subido demais. Foi à telefônica reclamar e lhe deram razão:

     - O senhor tem razão, muito acima da média. Vamos cobrar de acordo com o ano passado. Está bem?

     Claro que estava, sua conta era minúscula quando estava sozinho. Páris voltou para casa aliviado, o bolso agradecia.

     No entanto, intrigado com a conta, fuçou e descobriu a origem do aumento: culpa do irmão. Menelau abusava do Disque Amizade, eram horas e horas nas salas de bate-papo. Páris lhe deu uma lição de moral e ele prometeu que iria parar. Justificava o exagero das conversas pela solidão. Só tinha atividades à noite, aulas de supletivo e o judô, insuficientes para fazê-lo esquecer da família em Minas.

     Pois, um dia, Páris atende o telefone e uma voz de mulher, muito macia e sensual, diz:

     - Menelau, meu benzinho. Helena de novo.

     Pegou carona naquela voz enfeitada de morangos silvestres. Começou a jogar conversa fora, logo jogou o irmão pelo esgoto:

     - Menelau é um adolescente irresponsável, você tem de se fiar num homem maduro, que tem conversa, trabalho e isso e aquilo...

      O papo, depois de uns dias, foi esquentando, sempre à mesma hora. Logo Menelau já não era mencionado, A prosa foi rendendo, rendendo, e já havia um certo ar mágico de ambos os lados, cada qual imaginando seu deus e sua deusa a caminho de um encontro cheio de bombons de licor.

     Um belo dia, Páris, o sucessor de Menelau no coração da cobiçada voz, dá o bote:

     - Precisamos nos encontrar.

     - Também acho.

     - Vamos marcar pra domingo, 6 da tarde, na rodoviária?

     - Feito.

     No domingo aprazado, Páris se paramentou como prometido: uma camiseta de malha vermelha, da University of California, bem chamativa para que Helena o reconhecesse de longe.

Pois foi assim. Logo uma jovem correu a seu encontro e disse:

     - Sou a Helena.

     A decepção de Páris foi enorme. Helena não era a deusa esperada. Pela voz, Páris imaginava uma mulher magrinha, Helena era rechonchuda. Páris caiu do cavalo. Tinha passado uma rasteira no irmão, abusou de sua autoridade de mais velho, chegava a punição. Agora tinha que achar solução elegante – e urgente - para aquele momento.

     - Que bom te conhecer, Helena. Vamos ver um filme no Cine Rex? A sessão já vai começar. Vamos?

     - Você adivinha meus pensamentos... Boralá. E já foi cantarolando Rita Lee: "No escurinho do cinema..."

     Menelau comprou os ingressos. Em 15 minutos, já estavam sentados nas primeiras filas. Helena começou a encostar-se. Páris buscava evitar o contato, ela era muito desajeitada. Tinha de botar logo o recém pensado plano de fuga em execução:

     - Helena, vou ao banheiro, enquanto passa o trailer. Marque meu lugar, não deixe ninguém se sentar aqui – e deu-lhe uma bicota nos lábios.

     Até ontem não tinha voltado, já se passaram 15 anos.