Plantão da madrugada
Reuben Gilbert parou a viatura descaracterizada em frente à entrada do beco e desceu, o vento frio da madrugada em seu rosto ajudando-o a focar os pensamentos. Faltava apenas uma hora para terminar seu turno, mas o chamado de uma patrulha na região do porto lhe dera a desculpa perfeita para interromper o trabalho burocrático na central e esticar as pernas.
- O que houve? - Indagou para o policial fardado do outro lado da fita de segurança zebrada, após exibir o distintivo.
- Um possível latrocínio, sargento - declarou o interpelado, enquanto Gilbert levantava a fita e avançava para o interior do beco, onde o outro policial, lanterna em punho, mantinha-se agachado junto a um corpo caído no chão em decúbito dorsal atrás de uma caçamba de lixo. O policial ergueu-se, quando o superior aproximou-se.
- Kesby - saudou-o Gilbert. - Está na ronda noturna agora?
Kesby esboçou um sorriso.
- Imaginei que seria mais tranquilo, sargento.
Gilbert agachou-se junto ao corpo. Mulher, talvez 70 ou 80 anos de idade, pescoço cortado, uma poça de sangue sob a mesma. Provavelmente, arrastada da rua principal para dentro do beco escuro. O que uma anciã como aquela estava fazendo na área do porto, de madrugada? E as roupas que estava vestindo não condiziam com a idade aparente.
- Que tipo de mulher já viu usando essas roupas por aqui, Kesby? - Indagou, erguendo-se.
O policial não precisou pensar muito.
- Prostitutas, sargento.
E com a mão no queixo:
- Pelo visto, essa daí não estava disposta a se aposentar.
Gilbert fez um aceno de concordância, mas ressaltou:
- Nem sempre as coisas são como parecem, Kesby.
A conversa foi interrompida pela chegada do furgão da perícia. Dois peritos usando jaquetas escuras desembarcaram, e houve a costumeira troca de saudações entre os presentes.
- Ainda com insônia, Gilbert? - Brincou um perito com uma máquina fotográfica pendurada no pescoço.
- Caí na mesma armadilha do Kesby; - replicou o sargento - disseram que à noite era mais sossegado...
Aguardaram enquanto o fotógrafo batia fotos do corpo, em vários ângulos. Em seguida, o outro perito agachou-se, abriu a maleta que carregava e alertou os outros policiais:
- Peço que se se afastem. Isso pode ficar bem feio...
Os outros quatro policiais posicionaram-se na entrada do beco, enquanto o perito colocava um disco polido de água-marinha sobre a testa da morta e começou a recitar um encantamento, de olhos fechados. Subitamente, ele ergueu-se, olhos arregalados, e gritou para os demais:
- Corram!
Ainda estava no meio do trajeto quando um clarão vermelho e uma nuvem de fumaça negra o lançaram a três metros de distância, quase aos pés dos companheiros. Uma gargalhada roufenha cortou o silêncio da madrugada, enquanto a escuridão ao redor deles pareceu adensar-se.
[Continua]
- [27-03-2021]