Os Amuletos

Depois de passar a juventude Nélia viu-se sozinha, sem ter de onde lhe viesse dinheiro. Por falta curso ou sapiência para um emprego melhor, ia para as mondas e colheitas se a chamassem. Os mais dos dias, encolhia-se nos gastos e chegava a passar fome sem a moeda necessária à compra de um pão. Faltava-lhe a coragem para pedir e o povo não era generoso. Sem ter que fazer e dando voltas à imaginação deu consigo a reunir coisas estranhas como pedras de aspecto diferente, ossos, paus, fios imprestáveis, pedaços de pano velho, cabelos no lixo do barbeiro, velhos pedaços de papel e demais raridades que passou a reunir em associações que lhe pareciam interessantes sem sequer perceber porquê. Atava os elementos, costurava-os, prendia-os e guardava tudo na arca que herdara da avó há muito falecida. Quando se lembrou de pendurar uma das obras na varanda, correu a notícia, de boca a orelha, dos seus dotes e virtudes transcendentes. Passaram a temê-la e uma das mulheres mais afoita chegou-se à porta e pediu para conversar. Soube Nélia, com espanto, que vendia amuletos da sorte, lia as mãos, dava conselhos, fazia, se lhe pagassem bem, outras coisas invulgares no campo dos afectos, do sexo puro e duro. A conversa terminaria com o pedido de um trabalho que se prontificou a pagar logo mostrando-lhe a nota em dinheiro vivo. Superou Nélia o desgosto e, sem palavras, trocou pela verdinha, uma das suas obras com pau, pedra, osso, cabelos e fio. Que a guardasse muito para que fizesse efeito, recomendou. Melhoraram os dias, o dinheiro passou a ser suficiente e Nélia recebeu como devido o respeito temeroso de que gozava. Para uns era bruxa, para outros santa.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 25/03/2021
Reeditado em 25/03/2021
Código do texto: T7215304
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