Segregação

Cansada, Kaitlin McPherson acabara de chegar do trabalho e colocar as compras na despensa, quando ouviu tocar a campainha; afastou ligeiramente a cortina da janela da sala para ver de quem se tratava. Havia um casal negro de meia-idade em frente à sua porta da rua, roupas discretas; o homem usava óculos de grau e estava de terno; a mulher, de vestido azul, ostentava um colar de pérolas - provavelmente, artificiais. Finalmente, decidiu-se a abrir a porta.

- Pois não? - Indagou, hesitante.

- Boa noite, Srta. McPherson - cumprimentou-a polidamente a mulher. - Estivemos aqui mais cedo, mas a vizinha nos informou que estava no trabalho.

- Sim, eu trabalho - assentiu Kaitlin.

- Isso é uma boa coisa - sorriu a visitante. - Mas deixe que me apresente: sou Shanice Vinson, e este é o meu marido, Malik.

- Somos da Comissão do Bairro - informou o homem também sorrindo.

- Bem... eu acabei de chegar em casa, mas querem entrar? - Sugeriu Kaitlin, indicando o interior da residência.

- Grato pela compreensão - replicou Malik, pegando a mulher pela mão. - Não vamos demorar.

Kaitlin sentiu que a visitante avaliou os móveis da sala, ao entrar; eram todos de segunda mão, mas estavam em bom estado, felizmente. Ofereceu o sofá aos visitantes e sentou-se numa cadeira, em frente a eles.

- A que devo a visita? - Indagou, sem rodeios.

- Como integrantes da Comissão do Bairro, temos o dever de visitar os novos moradores e lhes informar sobre a conduta esperada nesta vizinhança, - declarou Shanice, mãos entrelaçadas no colo - particularmente no que tange a chamados feitos para a polícia sem causa justa.

Kaitlin franziu a testa.

- Bem, se está se referindo ao dia em que meu ex-namorado apareceu aqui, bêbado, querendo entrar, eu tive uma boa razão para chamar a polícia.

A expressão dos Vinson já não era mais amistosa.

- Srta. McPherson, tudo o que esta comunidade não precisa, é de bêbados fazendo arruaça na porta de mulheres solteiras - declinou Shanice. - Aqui moram crianças, pessoas idosas, famílias enfim. O nosso receio é que este seu ex-namorado possa causar outras perturbações, no futuro próximo.

Kaitlin a encarou, estupefata.

- O que a senhora sugere que eu faça? Que compre uma arma e atire no vagabundo, para não ter que incomodar a polícia?

Malik Vinson levou a mão ao queixo, como que cogitando a ideia.

- Creio que qualquer júri encararia isso como legítima defesa - ponderou.

- Ou então, a senhorita poderia considerar a hipótese de se mudar daqui, - sugeriu placidamente Shanice - antes que façamos uma queixa formal ao seu senhorio.

Kaitlin engoliu em seco.

- Estão me dizendo que não posso sequer chamar a polícia, caso seja ameaçada? - Questionou, incrédula.

- A senhorita poderia comprar uma arma - insistiu Malik.

- Mas é melhor que se mude, antes que tenha que recorrer a uma atitude tão drástica - acrescentou Shanice, consultando o relógio de pulso. - Bem, está na hora de ir.

Os Vinson ergueram-se simultaneamente e Kaitlin os acompanhou até a porta. Depois, novamente sozinha, sentou-se no sofá e chorou.

No dia seguinte, mais calma, começou a procurar um apartamento para alugar nos classificados. Preferencialmente, numa vizinhança menos segregada do que aquela...

- [17-03-2021]