O poder da confissão

Quando o jovem Agrício foi se confessar, sabia o que poderia advir de sua bombástica revelação em termos de penitência. O vetusto Monsenhor Sérvio Deltan, homem probo e severo, conduzia com mão de ferro os mores daquela remota e pacata paróquia serrana há coisa de quase meio século de vicariato.

E não foi sem razão que Agrício se fez acompanhar de seu amigo do peito, Fabrício para se assegurar, pelo menos, do apoio moral, diante do eventual cílicio. E o remorso era grande, pesado.

Mal se dobrou diante do genuflexório do confessionário, Agrício estabeleceu com o vigário o seguinte diálogo, apenas sussurrado:

- Senhor padre, eu pequei provocando o adultério de uma respeitabílissima senhora de nossa sociedade, misericórdia...eu estou arrependidíssimo...quero me regenerar, e necessito do perdão do Altíssimo...

- Filho meu, errare humanum est. Somos todos humanos e o pecado já está em nossa origem, como hoje dizem, em nosso DNA... Mas conte, meu jovem, contra quem foi cometido esse ato hediondo, reprovado pelo Senhor nosso Pai...

- Senhor padre, eu sei da gravidade de meu ato, e meu remorso é imensurável, mas eu, que revelei esse pecado, não posso em nenhuma maneira revelar a outra pessoa, pois estaria cometendo a ainda mais grave falta da delação, expondo-a à humilhação e ao opróbrio...Espero que o senhor entenda e perdoe essa minha única restrição...

- Meu filho, sou o pai espiritual de toda a comunidade, e meu zelo pastoral e também incomensurável, mas pela bondade infinita do Pai, só posso perdoar uma vez conhecida por mim toda a verdade...destarte, se não contar todo o pecado, a consequência vai para o maior peso da penitência...

- Não, senhor vigário, minha consciência é por demais doída, mas me recuso a revelar...

- Vou tentar ajudar-te, meu filho, basta-lhe simplesmente dizer sim

diante de minha pergunta: terá sido o ato praticado contra a conja do senhor juiz...?

- Não senhor, jamais...

- Terá sido na seara do senhor promotor?

- De forma alguma, monsenhor

- E com a senhora diretora do colégio?

- Tampouco, tampouco...

- E com a madre superiora do convento de Santo Luiz Inácio?

- Passo, passo, jamais o faço...

- E quem sabe com a senhora delegada de Polícia?

- Não, nunca, jamais...

E após listar mais de uma dúzia de proeminentes senhoras damas da sociedade, o monsenhor Deltan, já impaciente e colérico sentenciou:

- Meu filho, já que não me revela a outra metade do pecado, vou lhe passar a pesada penitência de subir, de joelhos, de joelhos, repito, a ladeira do cruzeiro - semelhante justamente à via crucis do Cruzeiro para voltar à divisão de elite do Brasileirão ... - debulhando o rosário e entoando cânticos de louvor à virgem, por uma quarentena...

Trêmulo e cabisbaixo, feito uma vara verde de velho vigário, Agrício acolheu a sentença, e voltou ao banco da igreja, onde o aguardava

o fiel amigo - da pescaria à puxaria - Fabrício...

Mal se ajoelhou, com o rubro rosto entre as mãos, Fabrício o cutucou:

- Cara, pelo jeito o padre pegou pesado com você...eu, cá dessa distância vi que ele alteou a voz quando decretou a penitência...caramba, vai ver que tem até tornozeleira...

- Foi pesadíssima sim a penitência, meu caro e fiel, Fabrício. E nem sei como pagá-la sem um bom indulto de fim de ano, mas veja, você não vai acreditar no tanto de dicas de investimento futuro que peguei...

Dá outro rosário... ou roubário...?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 14/02/2021
Reeditado em 14/02/2021
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