O amigo
Certa noite, a menina sonhou com um dos seus colegas de escola. Sonhou que o beijava na boca. Ela, que nem sequer na cara cumprimentava os rapazes, dormia ao gostinho dos lábios de um pequeno macho. Se alguém da família soubesse que o sono da menina era passado numa paródia daquelas, haveria crise. Por uma razão: há famílias que são tão conservadoras, mas tão conservadoras, que nem admitem que um dos seus membros se entregue a pensamentos pecaminosos nos sonhos. E logo a menina, que era a alegria da avó, do avô, dos tios e dos primos. Era a menina perfeita. Tinha uma voz de anjo. Aprendia piano todas as quintas-feiras com um velho mestre belga. Era a melhor aluna do colégio. Seria um desgosto demasiado grande para aquela gente saber que a criança andava com o passarinho na orelha. Aquela indefesa cria de Deus, que nem uma cárie se atrevia a ter, não se poderia atrever a tornar os sonhos em realidade. A verdade, no entanto, é que a menina, mal pensava no rapaz, corava.
O rapaz era um pequeno rufia. Dezassete anos. Três anos de reprovação escolar no bolso. Ignorância garantida. Aos doze anos, lembrou-se de roubar na mercearia de um velhote. Foi apanhado com a boca na botija. Todavia, como o produto furtado era um baralho de cartas, a coisa passou sem grandes consequências para o pequeno aprendiz de feiticeiro. Aos quinze anos, foi apanhado pela professora a lamber o pescoço de uma coleguinha de turma. Ainda durante essa idade, foi apanhado a masturbar-se pela mãe. Embora tenha contado a história aos amigos como se quase tivesse batido na velha, a verdade é que o rapaz se sentiu deveras humilhado com a situação. Dezasseis anos: assalto à mão armada. Um olho negro. Um braço partido. Dezassete anos: gel no cabelo.
A menina e o pequeno marginal não poderiam ser mais diferentes um do outro. Porém, tal como tudo na vida, sentiam-se atraídos. Ela, de forma recatada, escondida. Ele, às claras, sempre a impor charme na sua hipotética clientela. Quis o destino que os dois se juntassem durante um almoço no refeitório.
«Como te chamas?», perguntou o rapaz.
«Não te conheço», respondeu a menina, envergonhada.
E lá começaram a conversar. Com o tempo, tornaram-se amigos. Íntimos, dir-se-ia. Passaram-se meses e meses. A conversa era sempre muito divertida entre os dois. O rapaz fazia-se mais educado do que era. A rapariga tentava ser arisca, embora não sabendo muito bem como. O beijo com que a menina sonhara, acabou por se realizar. Ao primeiro beijo, que é sempre o mais tímido, seguiu-se o segundo, o terceiro e o quarto.
«Vamos para tua casa estudar?», questionou, certa vez, o rapaz.
«Sim.»
Foram. Acontece que o rapaz queria tudo menos estudar. Começou por beijar a menina, depois iniciou a tarefa de pôr a mão nas pernas e nos seios dela. Pouco demorou para que estivessem os dois nus e encaixados, como se fossem duas peças de um automóvel. Mas o quarto da menina era um quarto santo e, por conseguinte, nunca ninguém se lembrara de pensar que aquela porta precisava de uma chave para ser trancada. Foi, aliás, pensando que aquele espaço quase religioso e inofensivo estaria a ser ocupado por duas mentes estudiosas, que o pai da menina entrou no quarto no preciso momento em que o rapaz ejaculava. Talvez tenha sido uma infelicidade. Mas o pai não voltou a ser o mesmo. Ao invés de contar à família o que os seus olhos acabavam de vislumbrar, o homem puxou da sua mão mais forte – a direita – e esmurrou a bochecha rosada da filha. E, como não queria perder o fôlego, pegou no seu divino pénis e violou o pobre do adolescente.