A Normalização

"Respirei fundo... Tive uma sensação semelhante a uma mulher que sente alívio quando, após as dores intensas do parto, agora aconchega um filho nos braços. Mas a analogia termina aí... Minha curiosidade estava satisfeita, contudo um sentimento de assombro me dominava... O que eu via era algo totalmente incongruente... Não fazia sentido, mas era real.

— Mas você é A... — exclamei.

— Está surpreso? — redarguia a estranha forma, entre risos sarcásticos.

A situação se configurava em um pesadelo terrível, no entanto, por mais tétrico que tudo fosse, dava-me certo prazer presenciar algo tão incomum, que só podemos realmente acreditar quando vemos com os nossos próprios olhos.

— Está tudo acabado para você! — dizia aquilo que parecia saído de um filme de ficção científica.

Confesso que tinha minhas dúvidas quanto a existência do sobrenatural, ainda que lendo avidamente sobre o assunto... E, agora, aparecia-me isso, tornando impossível que eu continuasse vivendo de acordo com o senso comum dos homens. Era o desarrazoado que explodia as certezas de alguém que estava vivendo no seu mundinho humano! Até então, eu era só uma formiga seguindo o formigueiro."

Samira fechou o caderno, estarrecida, antes de terminar a leitura e olhou para o seu irmão Jones:

— Você precisa parar com isso, irmão. Essas visões não são reais, mas elas levaram você ao estado atual!

— Sim, jogaram-me neste manicômio, porque vejo coisas que a maioria das pessoas não vê. Sinto-me como se carregasse uma pesada pedra rumo ao topo de uma montanha... Tudo para que a lancem de volta para baixo, obrigando-me a buscá-la de novo ao pé da montanha e levá-la para cima... Assim a empurram de novo para baixo, de modo que esse processo insuportável não tem fim.

— Do que está falando, Jones? — indagou Samira. — É por causa dessas besteiras que tivemos que internar você nessa casa de recuperação. Logo você voltará a ser como as pessoas normais... Agora, tenho que ir... Adeus.

Samira foi embora, e Jones ficou pensando sobre como seria ser uma pessoa normal.

Mais tarde, no pátio de recreação do manicômio, ele se encontrou com outros daqueles que são considerados loucos.

Jones estava internado a cinco dias e, nesse ínterim, esteve a maior parte do tempo medicado, sem perceber muito do que acontecia no seu exterior, apenas escrevendo compulsivamente no seu diário.

Nesse momento, ele percebeu que um dos loucos se sentava afastado dos outros, e resolveu puxar conversa:

— Você está aqui a muito tempo?

— O suficiente para perceber que as estruturas de normalização da sociedade também se reproduzem aqui, entre aqueles que, teoricamente, são os anormais... — disse o homem que se chamava Charles.

— Como assim? — indagou Jones.

— Quando eu estava entre os vivos — disse o homem, e riu fazendo sinal de entre aspas. — era muito solitário. E, de fato, eu gostava da solidão, mas não que as pessoas normais — e fez sinal de aspas, dessa vez com uma expressão séria — me isolassem. Parece-me que essa estrutura de normalização se reproduz, ainda que num nível menos intenso, entre os loucos, nessa casa de psiquiatra aplicada.

— Entendo o que você diz, também sou solitário, e as pessoas se afastam de mim por causa do meu jeito.

— E se sentem felizes em mostrar que têm um círculo de amigos do qual você não faz parte.

— Mais isso é crueldade...

— Crueldade como só as pessoas boas são capazes. — concluiu Charles.

Nesse momento, o sinal tocou indicando que todos os doentes deveriam voltar para o confinamento. Jones voltou ao seu quarto, não sem antes ser obrigado a tomar suas medicações. As consequências de não tomar os remédios podiam ser terríveis para os doentes, isso dava um sinal para os funcionários da casa psiquiátrica agirem com truculência.

No começo da noite, um desses funcionários veio chamar Jones:

— O doutor Cláudio quer vê-lo, apresse-se! — disse rispidamente um homem alto e de expressão fechada.

Jones seguiu o funcionário a contragosto até a sala do médico. Chegando lá, ele viu um homem de meia idade com jaleco branco e um olhar de recriminação. Ele nem esperou Jones se sentar para começar a falar:

— Estou decepcionado com você, Jones... Você está se afastando cada vez mais da normalidade. — disse o doutor Cláudio, frisando de um modo especial o substantivo "normalidade". Ele tinha em suas mãos o diário de Jones e folheava as páginas, insinuando que havia lido.

— Você não tem o direito de ler isso sem a minha permissão! — afirmou Jones.

— O seu direito ou privacidade vai até onde você manifesta patologias... o que pode influenciar outras pessoas a se tornarem neuróticas, psicóticas, histriônicas... A partir daí, cabe a mim como médico forçá-lo para que retorne ao processo de normalização. — redarguiu Cláudio, orgulhoso de sua função.

— Vocês que querem forçar todos a serem normais é que são os verdadeiros loucos!

— Acredite no que quiser, mas isso que você escreveu aqui é muito grave... Admita que essas aparições sobrenaturais são coisas da sua imaginação.

— Não são. Eu também pensaria que o fossem se não tivesse visto com os meus próprios olhos.

— Ora, algumas pessoas mortas que aparecem no que você escreveu são conhecidos escritores... Está aí a prova, são produtos imaginários dos livros que você leu. Mas, se você insiste em tomar a fantasia pela realidade, não vejo outra alternativa senão tomar medidas drásticas.... Vou redobrar a sua medicação!

O doutor Cláudio pareceu ainda meditar em busca de inspiração, até que clamou nervosamente:

— Enfermeiro, leve Jones para o isolamento e o coloque numa camisa de força! Ele vai aprender a não ver o que não deve. Afinal, porque essas pessoas inteligentes apareceriam para um bostinha como você? — concluiu o médico, exasperado.

Jones lembrou-se de ter lutado em vão contra os dois funcionários que vieram lhe aplicar uma injeção. Nesse momento, ele acordou em uma sala fechada com os braços amarrados junto ao corpo. Preso em uma camisa de força, sentiu-se condenado por sua loucura de ver além das aparências.

Eis que começou a surgir nessa sala um sombrio espectro, em princípio a rir sarcasticamente.

— É você A...? — murmurou Jones.

Subitamente, o rosto humano do espectro, que até então alternara entre o ódio e a zombaria, tornara-se melancólico. E Jones pode ver uma lágrima escorrendo nesse rosto, seguida por uma torrente delas. Comovido pela mudança do espectro e pela crueza de sua situação, agora Jones também chorava... e era como se toda a sua vida estivesse nisso.