Il bravo Tonio

E Tonio conseguiu, enfim, o passaporte italiano em razão de sua ancestralidade comprovada. Mas ele tinha muito mais a dar, e a receber: inteligente, sagaz e sobretudo determinado, partiu para a Bota. E foi parar em Bologna.

Bologna tem muito mais do que a bolonhesa...vós o sabeis, com certeza: capital de Emiglia-Romana, metrópole regional, centro de conexões rodo-ferroviárias, berço da universidade e universalidade italianas, antiguidade etrusca, e tanta outra virtude que ilumina e ofusca...e foi a escolha de Tonio, litteralmente, la scelta di Tonio...

E assim, sem ter saudades do magro miojo brasileiro, Tonio se entregou de corpo e alma à vida italiana da melhor cepa...Sua facilidade para a língua, já no dna, desabrochou como uma uva, que não se colhe ou se tolhe por uma uva, ou uma ou outra viúva...foi para molhar mesmo, que Tonio entrou na chuva...

A cabeça, nascida para a ciência, teve que ceder ao império da emergência e da praticidade. Estrangeiro de excelência, teve que galgar degraus da bairrística resistência. Mas não esmoreceu.

E do pão che Giácomo amassou, ele bem que papou. Mas galhardamente, tudo enfrentou, em nome do desenvolvimento, do aprendizado que, sabia, gran futuro lhe daria. Sorte maior um dia alcançaria, sem depender de loteria.

E ei-lo dando duro numa empresa funerária, transportando ataúdes já preenchidos, em seu estágio final para o necrotério, o cemitério, tudo rumo ao etéreo. Não era exatamente o emprego que esperava, e de que gostasse, mas tinha que sobreviver, principalmente com o inverno já batendo às portas e se anunciando dos mais rigorosos...

Numa bela noite, quando já ia crendo que superara o temor visceral de lidar com bens descontinuados e descartados, eis que a viatura que conduzia um pretérito já mais que perfeito, bem a solitas, furou um pneu em pleno breu da quase abandonada estrada...

Encostar o carro na superfície congelada do acostamento da estrada foi manobra arriscada, mas bem completada. Restavam, o pneu furado, uma ventania que urrava, a serem enfrentados...e, para alcançar as ferramentas e o estepe, cumpria-lhe remover o caixão. A sós...

Até que, sem mais nada, tampouco uma lanterna pra manter a cena com uma réstia de luz...ouviu uma desconhecida voz...Atroz, e atrás...e somente gravou o que pode escutar, antes de desmaiar:

...primi soccorritori...!

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 25/01/2021
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