Passo em falso
Ela me apresentou o novo namorado dela e eu conheci ele e ficamos grandes amigos.
O roteiro esperado é esse, mas não foi bem o que aconteceu, eu convivi com sujeitos que me fazem desconfiar de qualquer sujeito e sendo homem principalmente, presto atenção nas palavras, nas atitudes, me pergunto: “Se eu fosse um filho da puta vil, eu faria isso?”… Geralmente a resposta é “Sim!”
Nesse especificamente, não se tratava de uma amiga qualquer, era como uma irmã mais nova, que eu tratava como uma princesa, só isso já era meio caminho andado para eu não ir com a cara dele e não foi difícil acumular outras coisas, a única coisa que posso dizer é que não fui com a cara dele e apesar de isso já ser esperado por todos os envolvidos, mas foi além disso. Ele não deve ter ido com a minha cara também, eu não ligo para isso.
Resolvemos ter uma conversa de homem para homem, no caso é a conversa que ele deveria ter com o pai dela, mas o pai sequer conhecia e o pai dela não é tão ameaçador assim, então achei que poderíamos ter esse tipo de conversa… O filho da puta é(cof-cof)… Era um falastrão, me olhava com olhos desafiadores, a cada conselho em tom de ameaça que eu fazia, ele ria e por vezes comentava alguma situação com ele, acho que qualquer pessoa poderia dizer que ele era corajoso, eu julguei ele burro.
Terminamos a conversa e ele estendeu a mão para me cumprimentar, olhei ele dos pés a cabeça, ofereci o caminho da porta e virei as costas para ele que sem dizer nada foi embora, entrei para o quarto e me peguei olhando para a parede maquinando coisas na minha cabeça, como se o próximo passo hipotético, começasse a partir do próximo passo real, então eu dei um passo em direção ao canto escuro.
Na semana seguinte, eu encontrei a minha amiga, dei um abraço e um beijo no rosto, no ato do abraço, eu reparei que havia uma mancha roxa na altura da mandíbula, eu já tinha visto aquelas manchas, eu já dei socos em muitos vagabundos e deixei marcas parecidas, olhei para os olhos delas com um olhar seco como uma esponja pronto para absorver a informação que eu quero, perguntei quem tinha feito aquilo com ela, ela disse que não era nada para eu me preocupar, repeti a pergunta, ela desconversou, eu disse que entendi e que estava atrasado para fazer qualquer coisa e fui embora, mais uma vez me peguei pensando no próximo passo hipotético, enquanto passei em frente a uma rua sem saída.
Troquei algumas mensagens com ela depois, despretensiosamente perguntei sobre o lugar onde ele morava, onde frequentava, onde costumava andar e coisas do tipo, a cada informação que ela me passava, eu pensava em algo para fazer, talvez eu soubesse qual seria o próximo passo. Seguindo o que ela me falou da rotina dele, eu marquei um dia em que poderia pegar ele na rua, perto da casa dele, que nesse caso é longe o bastante da minha casa e perto o suficiente para ele entender que era pessoal.
Separei uma pequena mochila e guardei nela algumas coisas, tais como uma vela de ignição, uma garrafa de óleo de automotivo, um frasco pequeno de álcool, um pouco de estopa e uma chave de roda L, no bolso apenas o meu isqueiro, calculei o tempo de viagem mais ou menos, tentando calcular todas as baldeações, e estava feito, seria no dia seguinte. No dia seguinte, abri a mochila pra conferir tudo novamente e após constar que estava tudo certo, fecho a mochila, pego as chaves e saio. Após um ônibus comum, um metrô e um ônibus intermunicipal, eu finalmente cheguei onde o sujeito morava, conferi os lugares que minha amiga tinha comentado e julgava estar perto de onde ele morava, aproveitei a pouca iluminação de cidade pequena, esperei num canto escuro da esquina da rua onde ela havia me dito que ele morava, esperei…
Depois de trinta minutos esperando, olhando de cinco em cinco minutos, eu vi uma movimentação, um portão de garagem abrindo, um carro saindo lentamente, pela hora, eu concluí que deveria ser ele e considerando o tamanho da cidade, não dava imaginar tanto movimento para que fosse outra pessoa, me mexo, ando sorrateiramente, colado na parede, como se quisesse aproveitar alguma sombra para me esconder, viro a mochila para a minha frente e no bolso pequeno eu pego a vela, com tempo apenas para que ele visse uma sombra do lado do carro, usando toda força que eu podia usar, arremessei a vela no vidro do carro, estilhaçando ele, aproveitei o choque do susto para começar a socar a cara dele, pensando agora, acho que queria deixar marcas parecidas com a que ele havia deixado nela, enquanto ele estava tonto, soltei a mochila no chão e abri, olhei para a chave de roda que eu deveria ter usado antes, tirei ela da mochila e acertei a parte de trás da cabeça dele, o sujeito desmaiou na hora, agora com um pouco mais de calma, reviro a mochila, pego a garrafa de óleo e começo a derramar sobre os bancos, derramei por cima dele e joguei a garrafa no banco de trás com mais ou menos um terço do líquido, então peguei um tufo de estopa e o frasco de álcool, molhei um pouco a estopa e acendi com o isqueiro, quando o fogo ganhou o corpo necessário, soltei a estopa dentro do carro que aos poucos foi tomando o carro todo; por uma garantia pessoal, joguei a mochila dentro do carro para ser queimada, caminhei de volta pela mesma sombra que havia chegado, fiz todo o caminho de volta para a minha casa.
Na manhã seguinte, eu não fui procurar a notícia, o mais prudente era esperar a notícia chegar até mim, o que não demorou muito para acontecer, logo ela veio me contar aos prantos, dizendo que podia ser um assalto, ou qualquer outra coisa, eu só assenti com a cabeça e consolei ela, disse que ele deveria estar num lugar melhor, dito isso, ela disse que gostaria de me contar uma coisa, já que não tinha o risco d’eu fazer qualquer coisa mais, ela resolveu me contar sobre o roxo no rosto, eu já estava pronto para ouvir de maneira tranquila, afinal, eu já tinha resolvido, foi então que ela disse que aquilo foi uma “consequência” de uma sessão de BDSM que eles gostavam, foi devido a um tapa no rosto… Ouvi tudo aquilo e pensei… Acho que dei um passo em falso.