"Desculpa, foi engano"

Enchi o copo de café mais uma vez, não havia nada de interessantes passando na televisão, o que não impedia que ficasse ligada o tempo todo, a luz amarelada da lâmpada tomava conta de toda a sala, já que a escuridão da noite escondia a maioria das coisas do lado de fora, com o meu copo na mão, sento-me no sofá para assistir ao jornal e como se estivesse esperando o momento em que eu me sentasse, alguém tocou a campainha. Coloquei o meu copo na mesa de centro e fui em direção a porta, abro a porta sem ligar a luz externa e com visão direta para o portão, perguntei quem era, mas não obtive resposta, concluí que fosse alguma brincadeira das crianças da rua, fecho a porta novamente e volto para o sofá.

Pouco menos de cinco minutos depois, novamente alguém toca a campainha, volto a colocar o meu copo de café já pelo meio novamente encima da mesinha de centro e vou mais rapidamente em direção a porta, dessa vez, acendo a luz externa, caminho até o portão e abro ganhando a rua na intenção de olhar para os lados e encontrar quem estava tocando a campainha; assim que saio, vejo um homem andando de cabeça baixa em direção a esquina de baixo, perguntei para ele se tinha visto alguém correndo, alguma criança, ele então, disse-me que viu uns moleques descendo a rua, correndo, comentei que estavam tocando a campainha e saindo correndo, mas resolvi deixar estar, desejei-lhe boa noite e voltei para dentro de casa, entrei, tranquei o portão, apaguei a luz externa e resolvi terminar o meu café e ir deitar, o jornal já tinha acabado aquela altura.

Apesar do café não me trazer grandes dificuldades para dormir, ainda assim, eu ficava alguns minutos virando de um lado para o outro até finalmente pegar no sono, enquanto me reviro, penso sobre as coisas, sobre como foi o dia, escutando os barulhos da noite, tentando adivinhar o que cada ruído significa, na maioria das vezes, eu chego a conclusão de que sejam gatos e naquela noite, não foi diferente, ouvi muitos ruídos, até que ouvi algo mais pesado na laje da minha casa, pelo peso que o barulho apresentou, não poderia ser um gato, ou o gato poderia ter derrubado alguma coisa pesada e isso me preocupou, me levantei, calcei os chinelos e peguei uma lanterna na gaveta, já que não tinha luz na laje, enquanto estou pegando a lanterna, ouço outro barulho pesado vindo da laje e isso me dá um arrepio que toma o meu corpo, ligo a lanterna ainda dentro de casa para não ter que acender a luz e vou até a cozinha, abro a gaveta e pego uma faca de carne.

Nos fundos da casa tem uma escada de madeira improvisada, fui em direção a ela, naquele momento estava com a lanterna apagada, pois não queria chamar atenção, subo vagarosamente, coloco a faca na boca, para ter mobilidade o suficiente ao menos em umas das mãos, subi o mais rápido e silenciosamente que pude, então coloco os meus olhos um pouco acima do nível da laje e não vi nenhum gato, mas queria ter visto apenas um gato endiabrado, eu vi uma figura humana tentando se locomover, pela laje escura e cheia de tranqueiras, olhei para tentar entender o que aquela sombra tentaria fazer… Ele estava olhando para a minha casa, de cima, somente na parte da frente, essa escada fica numa parte quase escondida e ainda fica coberta com um pequeno pedaço de telha para proteger da chuva.

Com um minuto mais ou menos, ele ficou parado em uma determinada parte da pequena mureta da laje, deitado, olhando fixamente para baixo, nesse momento eu subi de vez para a laje, achei melhor não ligar a lanterna, manter o elemento surpresa, olho para a minha direita e vejo uma pá, que na verdade, se me perguntassem se eu tinha uma para emprestar, eu diria que não, pois nem me lembrava, mas acho que naquele momento, a gente se obriga a enxergar melhor os detalhes, deixei a faca do lado da lanterna, apanhei a pá e fui na direção dele cuidadosamente, forçando a vista para não esbarrar em nada no meio da escuridão toda, até que chego aos pés dele, eu paro, no exato momento em que parei, eu senti que ele me sentiu, mas acredito que ele ainda pensava que me veria pela porta da frente, nesse momento ele se levanta ainda de costas, levanto a pá para fazer o movimento e dessa vez, quase como um instinto primitivo, ele se vira na minha direção, confrontado pelos seus olhos espantados, prendo a respiração e acerto a pá na cabeça dele, o golpe foi tão forte que ele caiu da laje no perímetro da casa que ele tanto observava.

Coloquei a pá no chão e refaço o caminho até a escada, apanho a lanterna e a faca e desço, dessa vez sem me preocupar com o barulho, ou qualquer outra coisa, atravesso a casa as pressas em direção a frente da casa, abro a porta e vejo o corpo estatelado no chão, puxo ele para dentro de casa, ligo a luz da sala e para a minha surpresa, era o sujeito que eu vi andando de cabeça baixa, provavelmente era ele tocando a campainha, vendo se eu estava sozinho, para invadir a minha casa? Assaltar? Matar? Que canalha…

Sento ele em uma cadeira, prendo as mãos e os pés dele na cadeira com enforca gatos, amordaço a boca dele, caso ele acorde e queira gritar, dou um nó no pedaço de pano usado para amordaçar e corto com a faca, vou até o telefone com a intenção de ligar para a polícia, coloco a faca na estante, pego o telefone e disco 190, o telefone chama, enquanto chama, olho a faca refletindo a luz amarelada da sala, viro o olhar e vejo aquele sujeito desacordado, preso e amordaçado, então alguém atende do outro lado, coloco a mão sobre o cabo da faca e digo… Desculpa, foi engano...

Henrique Sanvas
Enviado por Henrique Sanvas em 08/12/2020
Código do texto: T7130872
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.