LIBERDADE!


 

Senhores cientistas, amigos de cátedra, sinto-me profundamente honrado em ser convidado a este fórum para contribuir com as pesquisas dos biomas interplanetários. Pediram-me para lhes contar algo de inusitado dentro da vasta experiência que tenho nesta área. Por isso, aqui estou.

Como é do conhecimento de todos, viajei para centenas de lugares dentro do universo, dos mais conhecidos aos mais obscuros, mas foi nos confins da região de Zatarion-823, no terceiro planetinha muito sem graça de um sistema solar de quinta categoria, que capturei uma criaturinha insignificante, a qual passo a denominar de “humano”.

Levei este diminuto espécime para casa. Esta é a imagem dele. É um macho. Os senhores podem observar que ele tem o mesmo tamanho de um de nossos dedos. Por ser pequeno, e até engraçadinho, resolvi oferecê-lo a meu filhote como um presente de aniversário. Porquanto eu desconhecesse a natureza deste animal e, a princípio, tornou-se indócil, decidi colocá-lo numa gaiola junto a outras criaturas inferiores num local arejado de meu jardim.

Os humanos, descobri depois de exaustivas pesquisas, têm em média um ciclo de vida equivalente a dez meses em relação ao padrão de nosso tempo biológico. Não são autógamos como nós e, infelizmente, eu não trouxe uma fêmea para a reprodução. Ademais, o pouco tempo de vida é um dado assaz relevante para os senhores compreenderem o comportamento arredio da criaturinha em relação a meu filho que, coitado, dispensava-lhe atenção e carinho sem ser em tempo algum correspondido. A criatura, portanto, revelou-se um bicho arredio, ingrato, egoísta, mesmo se lhe dando ração da melhor qualidade.

No primeiro mês de cativeiro, o monstrinho mostrou-se agressivo! Não gostava do meu primogênito, do toque físico, de brincar com as bolinhas coloridas. Comia a ração de modo automático apenas a propósito de sua sobrevivência. Meu filho, às escondidas, pois não concordava, levava-lhe as sobras de verdadeiras iguarias de nossa culinária, mas nada lhe fazia feliz ou agradecido. Uma criatura realmente antipática. Não tinha nenhum carisma.

No segundo mês, esta espécie de inseto desenvolvido procurou meios estratégicos para se comunicar comigo e, também, com os outros animais, todavia jamais me passou pela cabeça entabular conversa ou entender um ser tão desprovido de importância na hierarquia da fauna intergaláctica. Havia animais, até mesmo dentro daquela gaiola, mais promissores no sentido de investir meus esforços de estudo.

No terceiro mês, inteirado de suas tentativas de comunicação não romperem minha indiferença, ele simplesmente se fechou em si, resignado à situação da clausura, e daí por diante procurou conviver com os outros bichos da melhor maneira possível. No entanto, todas as vezes que as oportunidades se lhe ofereciam, ele tentava escapar do conforto da gaiola.

No quarto mês, talvez entediado pela insipiência cognitiva das outras criaturas, ou da sua própria, o humano foi tomado de profunda prostração! Andava cabisbaixo de um lado para o outro, desinteressado dos acontecimentos em seu entorno.  Inferi, por um sistema análogo de outros bípedes daquele biotipo, tratar-se de algo relacionado ao avanço biológico da idade, posto que não pude determinar qualquer tipo de enfermidade em minhas observações, confesso, superficiais.

Diante destas circunstâncias, decidi fazer uma experiência. Sob o olhar aflito de meu filho, soltei todos os bichos da gaiola. O exótico animalzinho, de súbito, se transfigurou, pois quando se viu fora do cativeiro começou a pular, correr, mexer nas plantas, jogar-se ao chão e passou a emitir uma sonoridade diferenciada jamais registrada por mim oriunda de outro espécime qualquer. Todo o seu corpo, antes enfraquecido, se revigorou.

Num instante de desatenção, o humano e mais quatro monstrinhos fugiram, desaparecendo pela vegetação de meu jardim. Meu filho chorou, mas disse a ele que não se preocupasse porque logo todos voltariam quando estivessem com fome. O alimento sólido para as espécies inferiores é uma condição da maior imperiosidade à sua autopreservação.

E, assim, se sucedeu. Os cincos rebeldes voltaram!

Eu e meu filho ficamos observando da janela. Os quatros animais peludos logo entraram na gaiola e começaram a comer. O mecanismo para fechar a portinhola já estava nas pontas dos meus dedos. O humano parou à porta do cativeiro, boca ressequida pela sede e fome, olhou para dentro, observou os companheiros e, inexplicavelmente, deu as costas à comida, rejeitando convicto à clausura do seu bem-estar. Embora ainda lhe fosse dado à sua especificidade genética viver mais 4 meses, ele simplesmente sentou-se à sombra de um pequeno arbusto e, pasmem, lá ficou para morrer de inanição!

Morreu, até hoje não sabemos o porquê, estupidamente feliz!


 

Affonso Luiz Pereira
Enviado por Affonso Luiz Pereira em 07/12/2020
Reeditado em 10/12/2021
Código do texto: T7129658
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