Manifesto do homem que nunca escreveu uma palavra
Se algum dia eu me tornar escritor - que fique claro, escritor não sou - quero que saibam que esse é o meu único texto. Que nada dito antes ou depois seja atribuído a mim, pois não detenho palavra alguma. Não domino a gramática, erro crase, evito virgulas. Por vezes, acho a norma culta uma chata. Também não sou interessante como as palavras que de mim saem, elas são autossuficientes: a si se colocam a parir. Cortam o cordão. Amamentam-se. Nutrem-se. Crescem-se. Bailam. Até desaparecem no ar. E eu, homem, jamais poderia ter conhecimento - além do científico ou imaginário - de um evento tão mágico que é a maternidade. Eu apenas conheço o desaparecer no ar, pois, a mim, esse foi jurado. Então que fique claro que nunca fui dócil, histérico, amável, vil, depressivo ou profano. Que fique claro que a minha dificuldade de escrever em um estilo ou de pensar em uma língua nunca foram sinais de uma mente turbulenta. Eu nunca fui sequer escritor. Então, assim tratem as minhas palavras: mães de si, filhas de ninguém. E quanto a mim, que fique claro que eu nunca disse uma palavra, a não ser as desse texto.