317 - O Pingo do Chuveiro
Sentia o pingo da torneira mal fechada como um castigo. Era a monotonia do som, a expectativa do seguinte, a incapacidade de o mudar. Filho de uma criatura com depressão, entregue aos cuidados de quem o não amou, cresceu como pode, assim estranho, hipersensível para os ruídos, pontualmente feroz. Fittinghoff diria , muitos anos depois, que nenhum cérebro se pode formar sozinho. Referia-se genericamente aos mamíferos e não ao homem em especial. Foi, no entanto, ele que se formou entre o desleixo da empregada, o alheamento da mãe, a ausência do pai. Quando a avó soube das coisas tremendas que ele fazia e ante a perspectiva de o internarem num hospital de psiquiatria, ofereceu-se para ser ela a tratá-lo. Foi um desafio para os dois! A criança não tinha nenhum vínculo com a avó e ela não sabia por que lado teria de começar a amá-lo, ensinando-lhe tudo o que não aprendeu nos primeiros anos de sua vida. Muitas vezes a educadora chorava, outras engolia a raiva impotente e algumas enfrentava, ameaçadora, por se terem esgotado os métodos pacíficos que aprendeu criando filhos, aturando um marido prepotente, casando a contragosto num tempo que não admitia separações ou, muito menos, divórcios. Felizmente ficou viúva cedo, com uma bela pensão e pôde ainda recuperar alguma coisa dos prazeres da vida. Fez do neto a pessoa integrada, humana e dócil que é antes de, num acidente, perder a vida. Casimiro voltara a estar sozinho mas estava pronto para resistir. Fora a Bertina que, depois do banho, não fechara bem a torneira. E saber isso por dedução fazia toda a diferença. Afinal, que importância tinha um pingo de água a cair na sua esperança?