Simulacros e simulação
Não havia como prever que pensamentos viriam da máquina, advertiu-me o professor Foster.
- Este é o primeiro simulador funcional da mente humana, portanto poderemos obter algo perfeitamente aleatório e sem qualquer relação com o tema perguntado.
Nossa conversa ocorria no laboratório de Foster, na Universidade de Rockford. O fato de ter um laboratório em separado era prova mais do que evidente do seu prestígio junto a direção do estabelecimento de ensino; Foster poderia muito bem trazer um Nobel para a universidade.
- O simulador foi abastecido com a carga de informações de um americano médio - continuou explicando Foster - e nosso objetivo é poder usar suas respostas para realizar pesquisas de opinião sem a necessidade de consultar pessoas reais. Mas ainda não calibramos o sistema para saber se o que ele dirá agora tem base na realidade; estamos numa fase muito inicial do trabalho, embora promissora.
- Então, este é o próximo passo? - Inquiri. - Ajustar a máquina para os testes práticos?
- Exatamente - acedeu Foster. - E como bônus extra, vou lhe permitir que interaja com o simulador, para tirar suas próprias conclusões sobre a viabilidade do projeto.
Dito isto, acionou uma série de botões e chaves no painel reluzente da máquina, fazendo com que agulhas se movessem em mostradores e lâmpadas se acendessem. Em seguida, sentou-se ao teclado do que parecia ser um teletipo e começou a digitar em grande velocidade. Uma folha foi imediatamente impressa num console ao lado. Ele a leu e declarou:
- O simulador está pronto para operar. Queira sentar-se ao terminal e redigir suas perguntas em linguagem natural.
Sentei-me em frente ao teletipo, cujo teclado não diferia muito do que eu usava na redação do jornal. O que eu iria perguntar para uma máquina capaz de simular a mente humana? Parei para pensar, e finalmente digitei:
- O que você acha de estar trancado nesta caixa enquanto eu posso caminhar para onde bem entender?
Luzes piscaram no painel do simulador. Finalmente, uma folha foi impressa no console. Estendi a mão e a puxei.
"Deve estar havendo algum engano", li no papel. "Você é quem faz parte da minha simulação, não o contrário".
Exibi a resposta para Foster e comentei:
- Essa sua máquina tem senso de humor. Se isso vai ajudar nas pesquisas de opinião, é uma boa pergunta.
Ele leu o papel e deu de ombros.
- O simulador parece estar convencido de que é uma pessoa real. Talvez seja uma boa evidência de que o sistema funciona.
Ergui-me do teclado e apanhei meu sobretudo, preparando-me para sair.
- Parece que a máquina inverteu o ônus da prova - repliquei. - Como provar que somos nós, e não ele, a simulação?
- Se fôssemos parte de uma simulação, quem nos controla poderia fazer coisas aleatórias, como manipular o tempo - afirmou o professor.
O laboratório não possuía janelas, portanto não havia como saber se era noite ou dia lá fora. Bem, quando eu entrara na universidade há uma hora, ainda estávamos na metade do dia.
- Se eu sair e a noite houver caído, vou começar a ficar preocupado - repliquei.
E tocando na aba do meu chapéu em saudação, deixei o laboratório.
- [14-11-2020]