O papagaio colorido

O papagaio colorido

Pavão misterioso

Pássaro formoso

Tudo é mistério

Nesse teu voar

Ai se eu corresse assim

Tantos céus assim

Muita história

Eu tinha pra contar...

(Pavão Misterioso: Ednardo)

Eu sei que é difícil acreditar na minha história. Eu sei também que, não sendo eu uma pessoa estudada, fica mais difícil ainda. Dá impressão que é fraqueza da cabeça, coisa de gente doida. Mas, garanto, aconteceu. Eu posso até jurar, meu amigo. Só não juro de bíblia, que é falta de respeito, e eu não brinco com essas coisas, não. Acontece coisa doida no mundo o tempo inteiro. As pessoas não acreditam porque não querem. Mas não quero divagar, quero me ater ao ponto dessa narrativa. Outra coisa que eu queria explicar é que o caso que eu vou contar não é um caso, são dois casos. É verdade que um depende do outro, mas que os dois são doideira, são mesmo, eu garanto.

Era uma hora da tarde e eu precisava sair. Coisa rápida, de no máximo uma hora. Ia resolver um assunto na prefeitura, comprar umas verduras e pronto, já ia estar de volta em casa. É tudo perto, no máximo às duas eu já teria voltado. Peguei a chave na cômoda do quarto e fui para a sala. Queria sair pela porta da frente, que já dava para a rua. Estava repassando na minha cabeça as coisas que tinha de fazer, meio distraído. De repente, vejo aquela coisa esquisita bem na frente da porta. Como se não quisesse me deixar passar. Não me entendam mal, quando falo esquisita, da coisa que eu vi, é esquisita de bom. Só quis dizer que era estranha. Não era feio não, pelo contrário, era de uma beleza considerável. Você sabe que essa história de bonito depende muito da pessoa. Existe cada uma...

Nem sei se era ele ou se era ela. Um papagaio grande, mais do que o dobro de um papagaio normal e normal ele não era de jeito nenhum. Tinha um colorido, que nem sei como explicar. Eu sei que o senhor está pensando que papagaio é colorido mesmo. Eu sei o que o senhor está pensando. Mas não é isso, vou tentar explicar melhor. Ele tinha manchas coloridas, de todas as cores do arco íris e mais umas tantas. Elas eram quase do mesmo tamanho, redondas, espalhadas pelo corpo inteiro. Como uma colcha de retalhos. Aposto que o senhor nunca viu manchas coloridas, redondas, em nenhum pássaro. Viu? Eu sabia, eu já sabia. O colorido do papagaio normal tem uma certa lógica, o senhor me entende? Queria que o senhor visse, aquilo não existia, não, embora estivesse ali. Ainda bem que ele tinha cara de amigo, porque nem sei o que ia fazer, assustado do jeito que eu estava.

Todo mundo sabe que papagaio fala eu não devia ficar assustado de ouvir a sua voz. No começo, nem eu entendia por que estava assustado. Depois, eu entendi. Ele não era um papagaio de repetição. Falava o que queria falar. E falava com autoridade. Foi aí que eu entendi que ele era mesmo diferente. Não sou ignorante, eu entendo a diferença. Repetir é uma coisa fácil, mas falar com sabedoria, com autoridade, ah, isso é muito diferente. Foi daí que ele me deu um conselho. Sabia que eu ia sair e queria voltar logo. Ele me disse: “volta não, só volta depois das quatro”. Antes que eu perguntasse mais, ele avisou que “uma coisa que é difícil de acontecer, vai acontecer mesmo assim, e vai acontecer aqui.” Ele falava de um jeito gozado, mas se a gente considerar que ele, ou ela, é uma ave, até que ele fala melhor do que algumas pessoas aqui da vila. Muito melhor, posso garantir. Depois ficou olhando para mim, com aquela cara de quem diz “não vai abrir a porta?”. Ele saiu de lado, abri um pouquinho e ele já saiu voando. E voou reto mesmo, quase numa vertical, e foi voando, voando, até sumir de vista. Coisa muito esquisita, eu estava até tremendo. Não era medo, era mais assim como uma emoção. Por fim, aquela pontinho colorido foi sumindo, sumindo, até sumir de vez no espaço. Depois fiquei pensando. Papagaio normal não voa assim, livre, no espaço. Muito menos, assim direto para o alto, como se fosse um foguete entrando no céu. E aí estava mais uma diferença. A gente sente, a gente sabe, quando está lidando com o sobrenatural, com as coisas do outro lado.

Fiz as coisas que eu tinha de fazer e, quando eram três da tarde, tinha acabado tudo, e comecei a voltar para casa. Eu tenho mania de fazer as coisas automaticamente, por isso quase tinha esquecido do papagaio. Para ser verdadeiro com o senhor, tenho de confessar. Embora a esquisitice do papagaio não fosse de grau pequeno, também não era uma coisa de outro mundo. A gente vê cada coisa no computador hoje em dia, que as estranhezas nem são tão estranhas assim. Depois, só depois, que a estranheza do papagaio ficou mais sacramentada, como o senhor mesmo vai ver, se tiver paciência de ler esse relato até o fim. Eu sei que meu jeito de escrever não é o mais literato que possa haver, deve até ter uns jeitos estranhos de relatar, mas posso garantir, é coisa importante de se revelar. Porque é verdade, e eu sei que muita coisa o senhor vai aprender. Pode mesmo acontecer, de o senhor, com toda sua sabedoria, até ver no meu caso, coisas que nem eu mesmo posso ver. Os olhos de fora, de quem não está no projeto do destino, têm muito mais propriedade e autoridade no julgar. Agora eu sei que estou divagando, vamos voltar para o que vim.

Confesso até que cheguei a pensar em desafiar as vidências do papagaio cheio de arco íris, mas para que correr esse risco? Acontece coisa na vida da gente até quando a gente não arrisca, por que eu ia dar uma de sabido? Acontecem coisas sem aviso, porque não aproveitar fazer o que é certo e avisado, quando se recebeu uma advertência clara, um sinal? Não custa nada, custa? Arrogância é uma coisa triste e perigosa, isso eu aprendi. A gente está sempre aprendendo, isto é uma verdade de raiz.

Não tive dúvida. Deixei os minutos passarem, dei uma volta pela praça e o tempo, como sempre faz, passou. Daí, quando eram 3:33 minutos da tarde, ouvi um ronco enorme, parecia de um bicho daqueles, um bicho gigantesco. Parecia um urro surdo de dor, de alguém que está fazendo muita força. Acontece que não era nada daquilo, aquilo era um barulho de avião, mas de avião que está em dificuldades. Na hora do aperto, gente e máquina, roncam do mesmo jeito, foi a conclusão que eu tirei. Daí ouvi um barulhão de coisa pesada, mas barulho nem de bicho, nem de gente. Barulho abafado. E não era longe dali. Deu um frio na espinha, uma reviravolta no cérebro. O coração, então, esse ficou apressado, preocupado, desesperado. Batia como um doido. Era alguma coisa séria, dava para saber.

Tive então uma intuição. Corri para casa. Já de longe, vi o estrago. Minha casa. Toda arrebentada e ainda pegando fogo. Era uma visão do inferno, não dava para acreditar. Para não tomar seu tempo, vou resumir. Não foi o avião roncante que caiu ali, não. Foi o motor do bicho, o bicho sendo o avião em dificuldades, que escapou e foi despencar, nem dá para acreditar, bem em cima de minha moradia. Como pode? Com tanto lugar para cair, foi bem ali, bem no meio da sala. Bem no lugar onde estava o pássaro colorido. O de cores arredondadas. Círculos coloridos. Não sobrou nada. Aí, então, eu me lembrei do aviso, da admoestação. Do conselho de amigo. Quer dizer, aí eu me lembrei de suas palavras. De seu aviso, sabedoria, coisa que não era de repetição. Era isso que ele estava tentando avisar. Como ele podia saber alguma coisa que ninguém sabia? Nem o piloto, nem o homem da torre, ninguém. Só aquele papagaio lindo, colorido. Ele era meu amigo, mesmo. Não estava ali, mas era alguém que eu nunca ia esquecer. Bicho melhor que muita gente, pode ter certeza.

Aprendi muita coisa com essa história, meu senhor, e espero que o senhor aprenda também. E o senhor, pode ser até formado, doutor, e tudo mais, mas, com certeza, não aprendeu a coisa mais importante disso tudo. É sobre o papagaio. Se ele fosse um papagaio comum, eu não ia ficar impressionado com a história, não ia acreditar. Podia pensar que um desses meus amigos, que estão sempre querendo aprontar, tivesse ensinado o papagaio a falar aquelas coisas esquisitas só para me assustar. Daí eu ia teimar, voltar para casa e nem ia saber o que tinha acontecido. Iam me achar esmagadinho de tudo debaixo da turbina. E mais, torradinho, feito um churrasco bem passado. Mas um papagaio, cheio de manchas coloridas, um arco íris de penas, do tamanho quase de um porco? Quem não vai acreditar? Quem não vai prestar atenção? Papagaio inteligente, sim senhor, chamou minha atenção. No final, tudo tem muita lógica, é só procurar. Papagaio gente fina, papagaio inteligente. O que não tem sentido mesmo, são essas coisas que a gente vê na Internet. Essas coisas sim, são muito esquisitas. E tem gente que acredita nelas. Nelas, meu senhor, eu juro que não acredito não. Não juro de bíblia, já expliquei. Tenho meus motivos. Mas voltando ao bichinho que me salvou, ele é um papagaio sabido, esse papagaio colorido! E nele, eu acredito sim! Ele pode falar o que quiser! Vou sempre, com muita fé, acreditar.

O senhor se lembra de que eu falei que eram dois casos? Isso mesmo. O primeiro caso é o do papagaio. O segundo caso é o do motor que caiu em casa. Os dois esquisitos, raros, difíceis de acontecer. Eu não disse para o senhor que eles eram interligados? São mais que isso, são quase uma coisa só. Eu acho que é assim, nesse mundo, as coisas estão todas ligadas umas nas outras. De vez em quando, por causa da proximidade, elas entram em choque. Do mesmo jeito que um curto, um raio, qualquer coisa assim. Aí é que acontecem essas coisas esquisitas, fora do normal. Isso é para a vida se acertar, se acomodar. O motor que caiu, é um desarranjo. O papagaio que avisou é o acerto. Dá para entender, não dá? Às vezes, na hora da agonia, do sufoco, a gente não faz coisa esquisita, coisa que não se espera? Essa coisa é o papagaio, a coisa esquisita.

Essa era a história que eu tinha de contar. Precisava. É uma história de valor, de ensinamento. A minha obrigação, eu fiz, agora tudo depende do senhor, de acreditar. Claro, o seu papagaio pode ser outro. Pode não ser uma ave. Um coelho? Esse bichinho é simpático, inspira confiança. Se ele estiver em sua casa e falar uma coisa, claro que você também vai acreditar! Essa é a ideia, uma coisa diferente, que chama a atenção. Porque, o senhor sabe, esse mundo está cheio de distração, de coisa que não precisa. Esse povo anda o tempo todo sem atenção. E as coisas ruins vão acontecendo, acontecendo e, na maioria das vezes, ninguém está lá para avisar. Por isso sou grato. Gostaria de ver de novo meu papagaio colorido. Não sei por quê, acho que ele não vai voltar. É uma pena...