293 - A Consoada
Aceitou o convite para passar a consoada em casa deles. Mal teve tempo de comprar uma caixa de chocolates e uma garrafa de Porto por estar em cima da hora o convite deste amigo da Universidade. Seria bom ver como festejam os alentejanos a principal comemoração do ano e foi com grande alegria que bateu à porta da casa onde nunca antes tinha estado. Recebeu-o uma idosa trajada de preto, de lenço e óculos, que deveria ser a avó, a tal que dominava o fogão e sabia como fazer pratos suculentos sem, no entanto, nunca os provar. Pediu que entrasse, que aguardasse na sala que o João ainda não chegara do emprego embora estivessem à sua espera para jantar. E ficou sentado num sofá cheio de almofadas, olhando os retratos da família espalhados nas paredes, escutando o rumor das conversas e o relógio de cuco a marcar os segundos desta angústia. – Só agora o meu marido telefonou a avisar que o senhor vinha para o jantar, disse a mulher jovem, também de luto carregado, que viera do fundo da casa onde, de soslaio, percebeu as duas velhas a improvisar a ceia. Sabe, foi uma pena o João não se ter lembrado que foi num Natal que o meu pai faleceu e que, desde então, em vez de festa, entristecemos. Ainda assim, junte-se a nós na cozinha enquanto a minha tia prepara o jantar. Foi isso que o meu marido pediu. Ele chegará a todo o momento com um bolo-rei para alegrar as migas de espargos com enchidos do fumeiro que temos para o jantar. Na ampla cozinha ardia um pedaço de lenha na lareira e a tia cirandava entre os tachos enquanto a outra velha fazia correr as contas do rosário pelos dedos nodosos. E chegou, com muitos pedidos de desculpa, o João. A mesa estava posta para dois e a comida nas travessas já à nossa espera. – Que cabeça a minha, logo teria de ser hoje a data da morte do meu sogro, disse, servindo-se do tinto que trouxera.