Moderação

Não havia valido a pena roubar a caneta, constatou após entrar na loja de penhores.

- Não é de prata e nem antiga; só uma cópia, provavelmente feita na China - desdenhou o prestamista, devolvendo-lhe o objeto.

Num tempo em que praticamente mais ninguém usava carteiras ou andava com dinheiro em espécie, - o que não dizer de cartões de crédito e débito, tornados obsoletos pela biometria - o sujeito em quem esbarrara propositalmente na saída do metrô ostentava algo ainda mais anacrônico no bolso do paletó de tweed: uma caneta de metal prateado. Surrupiar o objeto não fora algo particularmente difícil e ele imaginou que poderia conseguir dez ou vinte pratas por ele, expectativa logo frustrada pouco depois.

O movimento do dia estava fraco e ele parou numa lanchonete para comer um sanduíche e tomar um café. Sentado no balcão, pegou a caneta roubada e começou a anotar num pedaço de papel as contas que teria que pagar até o final do mês, inclusive aquelas das quais não poderia prescindir, como aluguel e calefação. Se não tivesse mais sucesso nas ruas, ponderou, em breve estaria de volta ao albergue onde passara as primeiras semanas após sair da prisão. Com um suspiro, guardou o papel no bolso do casaco junto com a caneta e resolveu que pegaria o metrô para casa, no subúrbio. Não adiantava ficar zanzando pelas ruas naquele horário; melhor voltar mais tarde, quando as multidões deslocando-se no fim do expediente lhe dariam oportunidade de agir com menos risco.

Ao chegar à quitinete, composta basicamente por um vão com um banheiro no fundo, ligou o terminal de dados para verificar se o pagamento da assistência social já havia sido creditado. Para sua surpresa, descobriu que não, mas havia um depósito não identificado que somava exatamente o total que escrevera mais cedo na lanchonete, usando a caneta roubada. Teria sido uma coincidência? Pegou a caneta no bolso do casaco e a examinou cuidadosamente. Não parecia haver nada de misterioso ou sobrenatural nela.

Para tirar a dúvida, pegou outro pedaço de papel e escreveu o valor de um automóvel de luxo zero km. Em expectativa, abriu novamente o terminal de dados e para seu assombro ali estava uma soma de seis dígitos creditada. Começou a pensar se a caneta poderia ser usada para outras coisas, além de aumentar sua conta bancária; escreveu algumas ideias aleatórias, como chuva localizada em 10 minutos e um entregador de pizza batendo em sua porta em trinta segundos, mas nada disso se concretizou. Então, concluiu que a única virtude da caneta - e que virtude - era alterar seu saldo no banco.

O que tornava ainda mais suspeito o modo fácil com o qual a obtivera, de um sujeito que a colocara ostensivamente no bolso do paletó, quase que pedindo para que ela fosse roubada. Se o uso da caneta não trazia em si nenhum efeito colateral danoso, porque ela não estaria guardada num lugar seguro? Ao menos, seria o que qualquer pessoa razoável faria.

- Quando a esmola é muita... - murmurou, encarando a caneta.

Em seguida, escreveu um sinal de menos na frente do preço do automóvel; quando foi checar a conta, o valor já havia sido subtraído. Ao menos, pensou, havia como reverter o que quer que fosse feito. Decidiu que não mexeria na soma destinada à sua subsistência. Afinal, não estava enganando ninguém, apenas pagando algumas contas indispensáveis. Olhou para o teto da quitinete e disse em voz alta:

- Prometo que vou fazer bom uso disso. Nenhuma estripulia.

Depois, pegou um pedaço de papel e escreveu o valor necessário para pedir uma pizza.

- Nada que eu não poderia pagar - assegurou para si mesmo.

- [22-09-2020]