272 - Um Homem Feito
Agora era uma criança problemática. Criança era um modo de dizer porque deitara um corpo de adulto, era em tudo adulto e, quem olhasse com atenção, perceberia que havia inteligência dentro do seu olhar, que tinha senso comum e instintos de defesa como qualquer outra pessoa. Na verdade a mãe criara-o sem que pudesse ensinar-lhe a falar, a ler ou a manter uma conversa. Exigia tudo a gritos, era capaz de ficar, como uma estátua, imóvel horas seguidas, desafiando a lógica mais rudimentar. Depois dormia muitas horas sem se mexer, como se, por dentro, estivesse morto. De tempos a tempos, inspirava todo o ar que podia e quando já ela desistira de ouvi-lo na expiração, ele atirava, violento, o ar pela boca aberta. Olhava como se não visse, reunia pedras no quintal e alisava-as. O neurologista deu como provado nele um síndrome com nome estranho e o padre, muitas vezes tentou esconjurá-lo de um ou vários diabos sem que o rapaz fosse sensível às fórmulas medievais do ritual. – Olhe, tenha paciência e vá aguentando que, para todos os efeitos, é seu filho. Não faça como o seu Acácio que se cansou de tudo e abalou sem deixar rasto. E Josefina, inconformada, acatava estas conclusões com crescente rebeldia. - Se tivesse coragem matava-se mas, depois, quem cuidaria daquele homem que não falava, nada fazia e gritava no intervalo de ser pedra? Uma ocasião passou pelo povoado um mágico estranho, ficou horas a trocar ideias com o rapaz que não falava porque não queria, que afinal lia, que entendia bem mais que todos por ali. Foi surpresa geral o acontecido mas quando vinham para saber de pormenores já ele não estava. Deixou escrito, em caligrafia notável, que ia mas não sabia para onde. Nunca voltou.