Vidas, vidas e vidas
Pele avermelhada, rosto magro de caveira, vestes sem cor e olhos mortíferos. Andar calmo, braços baixos, queixo caído, olhar distante. Dissonante, distinto, instinto. Flores em um quintal sem jardim, de terra seca, de roupas penduradas em varais de bambus, e de cachorros latindo pela vizinhança. Mulheres fofoqueiras, bebuns caindo, crianças brincando, adolescentes encostados nos muros descobrindo os sentimentos de um amor primeiro.
Ruas vazias, corações cheios, putrefação. De cheiros nauseantes a grandes perfumes. O cheiro da vizinha do lado, o cheiro dos morangos, da galinha assando no forno e da saudade de onde eu morei um dia. Agora rico. Pele branca, cara gorda, vestes chiques e olhos vivazes. Andar correto, ombros erguidos, olhar fixo. Disposição. Um enorme jardim, enfeitado de jasmins e de outras flores, árvores, ares, piscina, luxuria, loucuras. Vizinhos ricos, adeus pobreza, miseráveis, sem amor, rancorosos, desgostosos, petulantes, odiosos, meu mundo.
Vidas, vidas e vidas. Cada um com a sua. Nos churrascos de carnes queimando, alegria; nos jantares da sociedade alta, falsidade. Sorrisos, aparências. Gelatina, framboesas. Bermuda, chinelo; gravata, sapatos brilhando, um nojo só.
Viagens de navio, ônibus lotado, risos sem razão, choros desconsolados. Amores arranjados, amizades desfeitas, dinheiro na mão e sorte na mesa.