Vivendo nos livros
Luísa deixou cair o monte de livros que carregava sorrateiramente pelos corredores da biblioteca... A bibliotecária, uma jovem de cabelos ruivos e cacheados, olhou curiosa, enquanto Luísa se agachava para recolher os livros. Esta sentia que, apesar de não estar cometendo nenhum crime, gostaria de não ser notada... Talvez isso fosse bobagem, mas pensava que algo assim poderia atrapalhar a conclusão do seu objetivo. No entanto, o acidente com os livros atraiu os olhares, e a bibliotecária, ao se aproximar de Luísa, assim lhe falou:
— Nossa! Quantos livros...
Uma coisa que surpreendia a Luísa era o fato de as pessoas que trabalhavam na biblioteca não serem leitoras vorazes, muitas vezes nem gostavam de ler.
— Sim, eu gosto muito de ler — redarguiu Luísa, enquanto ajeitava seus longos cabelos loiros.
— A mim ler muito cansa — replicou a bibliotecária, sem saber que irritava Luísa.
— Meu sonho é ser escritora — disse Luísa, já colocando os livros na mesinha com assento.
— Ele não sabe o que fazer com você... — disse a bibliotecária antes de se retirar para cumprir suas tarefas.
Essa última frase da bibliotecária tinha algo profundamente enigmático e, ao mesmo tempo, havia algo em Luísa que a compreendia. Examinou os livros sobre a mesa, os nomes dos autores: Stendhal, Machado de Assis, Tolstói e Virginia Woolf. Como se estivesse viajando numa outra dimensão, ela sorriu.
Logo, ela pretendia publicar seu primeiro romance, que falava sobre uma espécie de cavaleiro medieval vivendo nos tempos modernos. O cavaleiro vivia aventuras pela justiça, dedicava sua vida pela honra e pela sua amada, que, num primeiro momento não compreendia o seu amor, mas que no decorrer da trama passava também a amá-lo. Luísa não havia ainda concluído o romance, e não sabia se faria um final feliz ou triste.
Então, alguma coisa a incomodou. A possibilidade do final do seu romance ser triste era muito maior do que um fim no qual o cavaleiro encontrasse a felicidade junto a sua amada. Em todo o desenrolar da história parecia prevalecer a inadequação do cavaleiro aos tempos modernos, e por mais que em um determinado momento da trama ele também fosse amado, havia uma série de circunstâncias que quase impossibilitavam um desfecho feliz. E parecia mesmo a Luísa que o romance seria melhor se o cavaleiro morresse como um mártir, ficando com a promessa da felicidade apenas no além-mundo.
Essas reflexões fizeram-na recordar dos acontecimentos de sua própria vida; tinha vinte anos, fazia faculdade de Letras, trabalhava com vendas e tinha o sonho de se tornar escritora. A memória das coisas passadas veio à tona, até desembocar num acontecimento de alguns minutos antes. Ela ouvia a bibliotecária dizendo: "Ele não sabe o que fazer com você". Por um momento, Luísa pensou que já poderia ter encontrado o seu grande amor. "Mas, então, qual o sentido de tudo isso?", pensava, e apenas por uma fração de segundo pensou em tirar sua própria vida. "Eu ainda posso ter um futuro promissor; mulher independente, casada e com filhos, morrerei só quando velhinha." Pensando assim, ela se enchia de esperança. "Mas não, ele não sabe o que fazer com você... Contudo, que absurdo é isto que estou pensando?".
E enquanto folheava um dos clássicos da literatura, em cima da mesa, Luísa parecia ler seu próprio nome, e mais ainda, o texto descrevia ela mesma nos acontecimentos passados de sua vida. Respirando fundo, como de costume quando lia romances, ela viu-se levada numa outra dimensão... Imaginou como seria o futuro de sua história e sorriu.