262 - Poder Local
Ninguém sabia do sobrinho, filho da irmã do soba falecido, a quem caberia de direito exercer o poder na Região. Ninguém esperava que um resfriado aparentemente benigno, levasse o governante para o lugar das sombras. Depois das vigílias, batuques, libações e pranto ficaram as viúvas entregues à sua solidão. Deixaram a casa principal e as que puderam voltaram a viver com os seus progenitores. Não havia quem ministrasse justiça, quem dialogasse com o poder estatal, quem representasse o povo nas negociações por água ou caça. Quando a desolação se fez mais premente, o sobrinho apareceu. Que não queria, não podia, não deveria ficar. Ainda assim, o sentaram na cadeira do Soba, assento entalhado com elementos sagrados da tradição e os valores da cultura dados por símbolos em alto-relevo abertos a navalha e fogo, ensebados, polidos de uso. Lagarto, cobra, coelho e peixe jogavam com a máscara ritual que encimava o espaldar alto. E ele sentou-se. Recebeu as pulseiras do antigo soba, tomou a sua lança, ergueu-se e olhou o povo que aplaudia e gritava o seu nome. O fogo era alto e a roda de gente muito grande. Ao sinal de sua mão fez-se silêncio e ele disse que só ficaria como chefe se pudesse ser só ele a decidir sobre seus amores, suas paixões, seus afectos. Queria uma só mulher e repudiava as viúvas do falecido cujo destino lhe cabia. Que fizessem o que entendessem porque as libertava de deveres. E houve vozes, gritos, indignação e quem jogasse sobre si muita cinza. Quando tudo serenou, após acertos, negociação e conversa, decidiram: reina sobre nós. E ele, assobiando, chamou-a para a mostrar.