249 O Santeiro

Havias de me fazer um santo, pediu-lhe dengosa. Olhou-a em silêncio e leu-a. Quantas pessoas precisavam de ter o boneco à frente para qualquer reza de jeito. E ele fazia-os todos parecidos e de uns nascia Santo António, de outros Rainha Santa. Quando alguém andava mal dos olhos lá vendia uma Santa Luzia ou a Santa Rita de Cássia mas só ele sabia que eram todos gémeos no começo da fornada. Depois é que os vestia a preceito. Mais prega, mais palma, mais lírio. Uns com coroa, outros carecas, eram sempre bem vendidos na Feira. Variava os preços de acordo com a fé do cliente: - decididamente, essa Santa Filomena vale bem o que lhe peço. Veja o ar tão compungido, as cores do manto, a perfeição do símbolo do martírio. O maior efeito vê-se quando lhe puser a vela acesa à frente, ou quem diz vela diz lamparina porque vale a intenção e, no caso luz por diante, num oratório simples e bonito ou até sobre a cómoda em lugar que ninguém a esbarre e a quebre. Havendo azar eu vendo-lhe outra. Estou aqui para satisfazer os pedidos e só não faço santos desconhecidos por nunca os ter visto em estampa ou nos santinhos da comunhão. – Havias de me fazer um santo, repetiu tocando-lhe com o dedo nas costas da mão. Não queria de barro que é já muito visto, adiantou, varando-lhe o olhar de espanto. E todas as palavras lhe morreram na boca bruscamente seca, a mesma que não se importaria de a beijar ou morder um destes dias ao entardecer.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 11/08/2020
Reeditado em 11/08/2020
Código do texto: T7032348
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