248 Os Gatos
Parecia a mulher ideal mas não gostava de gatos. Infelizmente soube disso quando a paixão era já uma labareda tão alta e tão forte que só a evocação de imagens suas, arquivadas na memória, lhe transmitia à pele aquelas intensas sensações novas. E tentou saber se era definitiva a aversão a felinos, se havia alergias, se poderia ele viver sem a serena companhia dos seus gatos. Inquirida, ela confirmou: - ou eu ou os gatos. Não quero saber onde os vais por ou abandonar. É um sentir que não controlo, um medo irracional, uma aversão igual à que tenho por cobras ou escorpiões, disse. E, agora sem ânimo, ele era um Gonçalo destroçado. Ao chegar a casa, não viu os gatos e o espaço ficou, sem eles, vazio. Procurou-os na varanda, no quintal e no jardim e deles nem rasto. Chamou-os mas, como de costume, não responderam. Nunca antes aquilo sucedera e só poderia ter sido ela ou a seu mando, pensou agoniado por pensar. O amor tem obstáculos desta altura e só o merece quem aprende a contorná-los, a adaptar-se ao querer do outro, a tolerar coisas que pareciam definitivamente afastadas da nossa vida. De repente todas as memórias ficaram distorcidas, todas as maravilhas sem força, toda a vontade amolecida. E o telefone tocou. – Hoje, não estou para ninguém, gritou para o impassível aparelho e não atendeu. Era ela, soube depois, para dizer-lhe que poderia ficar com os gatos se fizesse tanta questão deles. Acontece que, quando soube da sua intenção, era já muito tarde para emendar o gesto. O que parecia amor era só paixão, concluiu uns dias depois quando, maltratados e famintos, os gatos voltaram.