Pastora ou contrabandista
Depois de dez dias de tempo quente, agora lá estava sentada ela, tremendo de frio sob as estrelas.
- O tempo aqui é sempre assim tão imprevisível? - Indagou ao guia.
- Mais na primavera - admitiu o homem, expressão taciturna. - No outono, a variação de temperatura costuma ser bem mais suave.
Não havia trazido roupa para a ocasião, essa era a verdade - e nem isso lhe informaram quando a haviam requisitado para a missão.
- Não é uma viagem de férias, leve pouca bagagem - comunicara laconicamente a Agência. - Um guia irá conduzi-la através da fronteira até Taha Nayam e lá o nosso agente de ligação entrará em contato.
"Através da fronteira", como logo descobriu, significava usar caminhos nas montanhas que geralmente só eram do conhecimento de pastores de cabras - e contrabandistas. Pelo caminho, às vezes deparavam-se com abrigos de pedra construídos pelos nômades há séculos, mas o guia os evitava cuidadosamente, afirmando que ainda eram eventualmente utilizados por criminosos.
- Dormir ao ar livre é mais seguro - recomendara ele.
E assim tinham feito. Nas primeiras noites, o calor armazenado pelo saco de dormir a mantivera confortável, mesmo quando chegaram ao nível onde a neve era permanente por todo o ano. Subitamente, os dias ensolarados foram substituídos por uma neblina úmida quase constante, que reduzia a visibilidade à poucas centenas de metros e que se desfazia à noite, sob o influxo de ventos gélidos. Acender fogo não era uma opção, já que poderia atrair atenções indesejadas.
- Quantos dias ainda até Taha Nayam? - Indagara finalmente, após outra noite gelada.
- Se mantivermos o ritmo atual, cerca de uma semana - informara o guia. - Mas como vamos começar a descer, a temperatura também deve subir.
Boas falas finalmente, pensou ela. E depois lembrou-se de que provavelmente teria que fazer o mesmo caminho de volta, caso sua missão não tivesse sucesso; era um incentivo adicional para que tudo saísse como o planejado.
- Na volta, o caminho é o mesmo? - Perguntou ao guia.
O homem a encarara com ar pensativo, antes de responder:
- Não há caminho de volta. Quem vai até Taha Nayam, deve seguir em frente.
- Mas você é um guia que leva as pessoas até lá - retrucara ela, surpreendida. - Como faz para voltar então?
- Eu posso voltar, mas não acompanhado de alguém que tenha conduzido na ida - afirmou o homem. - Regras da nossa sociedade. Sempre voltamos como contrabandistas ou pastores, nunca como guias.
E enquanto iniciavam o caminho que conduzia às terras baixas de Taha Nayam, ela começou a pensar como faria para adotar uma ou outra atividade - caso fosse estritamente necessário.
Ser contrabandista, contudo, lhe parecia algo mais condizente com sua realidade...
- [09-08-2020]