À MODA "DA CASA" !
À MODA "DA CASA" !
"Seu" Agripino dava milho às poucas galinhas quando carro oficial da Prefeitura parou ao lado da cerquinha mal-feita de taquaras antigas, cinzentas pelas intempéries e devido à canícula milenar. Como não sabia ler ignorou tratar-se de missão oficial mas a "pose" de "doutores" dos 3 passageiros citadinos não deixava margem para dúvidas. Invadiram o terreiro sem antes pedir, assustando o burrico triste que "namorava" toiça verde de capim além do cercado.
-- "Bom dia, amigo... o senhor é o "seu" Aggripino" ?
-- "Na "farta di otro", sou eu mesmo" !
-- "Somos da Prefeitura, faz tempo que o senhor não quita seu IPTU" !
-- "IPê o quê ? Rapaz, não devo 1 centavo na praça" !
(Pronto, pensou consigo mesmo, souberam que recebi o tal "benefício" do INSS e já querem me arrancar grana.)
-- "Seu" Agripino, o seu terreno paga imposto, fique o senhor sabendo e, no seu caso, tem um bocado de anos EM ATRASO" !
-- "Meu jovem, isso aqui era SESMARIA, bem antes de existir "perfeitura" e até Estado... era do meu tatara-tataravô e veio passando de pai pra filho. Me vem você agora me dizer que tenho de pagar imposto DO QUE É MEU" ?!
-- "É assim que as coisas são nos tempos modernos, "tiozinho", a gente veio para acertar a situação" !
-- "Não, NÃO É ASSIM... nem eu sou seu tio ! As coisas aqui no sertão se acerta "na peixeira ou na bala" ! Agora, ponham-se daqui pra fora... rá-ré-ri-ró... RRRUUAAA" !
Uma das jovens do trio adiantou-se, tentando amenizar a situação, que já estava "mais quente" do que o clima do Agreste, naquela manhã.
-- "Meu senhor, só queremos ajudar... se não quitar os atrasados o seu nome vai entrar na relação da DÍVIDA PÚBLICA e isso pode lhe trazer problemas" !
-- "Se pensam que ainda tenho a fortuna que recebi pelos meses que o INSS "arrastou o processo", estão enganados. Ajudei parentes, "fechei meu caderno de fiados" lá na bodega do "seu" Salomão e comprei o "Lucrécio" (apontando com o queixo para o burrico), que me dá grande ajuda. Ademais, não vou entregar meu dinheiro pr'aquele "perfeito" ladrão. A conversa termina por aqui" !
Deu azar, a segunda moça era "parenta" dos Ferreira e avançou, revoltada com a difamação:
-- "Epa, o senhor não pode chamar meu tio de ladrão" !
-- "Senhorita, foi só um "elogio"... não queira que eu fale o que realmente penso daquele canalha" !
O rapaz tomou a frente, a conversa perdera o rumo e uma tragédia se anunciava na linha do horizonte.
-- "Calma, gente, calma... e, então, como é que fica" ?!
-- "NÃO FICA, vocês já estão de saída... BOA VIAGEM" !
Entraram no carro ressabiados, temendo levar um tiro pelas costas. Lá dentro olharam-se confusos.
-- "E, então, como é que fica"?, repetiu a jovem da discussão, o veículo balançando pelo caminho pedregoso. Ouviram um estampido e a sensação de um pneu traseiro furado. Olharam para trás e viram o velho, arma na mão, o fuzil artesanal fumegando.
Pouco depois o trio adentrou o gabinete do alcaide, que perguntou:
-- "E, então, como é que fica a situação" ?
-- "Melhor esquecer, doutor Ferreira... a casa estava fechada mas o sujeito é muito pobre, não tem como pagar 1 centavo"!, desconversou o rapaz, ainda amarelo de susto.
"NATO" AZEVEDO (em 2/agosto 2020, 9hs)