237 O Bruxo
Arredou o reposteiro negro e entrou. A uma luz fraca viu a mesa vulgar, uma panela com seixos rolados, um molho de ervas variadas. Depois viu dedos nodosos cruzados, as mãos velhas do homem, o peito nu, o pescoço enrugado, a caveira a desenhar-se sob a pele, o cabelo raspado, o brinco da orelha a puxar-lhe um buraco visível à distância. Apontou-lhe a cadeira e, depois de a ver sentada, esperou que a crispação amainasse no rosto apavorado e falou: - As decepções do amor aceitam-se melhor nos mais novos e você, minha neta, já viveu o suficiente para saber mudar o destino a seu favor. Leio no seu rosto o caminho duro, as dificuldades, o violento que é ter um homem que não respeita e fala com pancada, ama sem palavras, morde quando espera tudo dele, até beijos. Por que não foge, não desiste, não se vai embora? Eu respondo: porque o ama. Ele já não lhe dará filhos porque não quer crianças para criar ou, se quer, você deixou-se secar e tem o ventre maninho. Você ficará com ele, vai perdoar sempre, vai, sem dormir, esperar que chegue, receber o que ele tiver para dar no momento. Estou errado? Perguntou. Sem voz, olhos muito abertos, arfando sacudiu afirmativamente a cabeça e chorou. Só se tiver coragem o caso tem remédio. A próxima vez que ele lhe bater tem de devolver as pancadas. Prepare uma vara, um cinto, uma tábua e dê-lhe com força até ele amansar. Bata, não chore nem fale. Bata. Leve esta pedra para se lembrar da receita. Dito isto, o homem estendeu a mão e recebeu o dinheiro que ela retirou do decote.