Ele estava pertubado

Ele estava perturbado. Não sabia dizer como tinha chegado nesse ponto. Normalmente, as coisas são fruto de um processo, mas ele chegou nesse ponto de uma hora para outra, não teve tempo de se proteger, nem de se preparar. O seu convívio com a família estava péssimo, mal falava com sua esposa, não se olhavam no olho. Muito menos faziam sexo. Sua filha, a filhinha do papai, tinha crescido. Odiava o namorado dela. O cara era filho de bacana, mas o homem sentia que a índole do rapaz era ruim. Seu sexto sentido apontava que aquele cara poderia ser um problema para sua filha. Mas o que o deixava perturbado, em estado psicótico, era o fato de se sentir preso, infeliz. Atribuía isso a sua família. Se sentia uma vítima das convenções sociais, do casamento, da falsidade da vida a dois. Sentia-se perseguido por alguma coisa inexplicável e por mais que lutasse para se libertar, seu cérebro passou a ser obcecado pelo sentimento da agonia, uma obsessão por sentimentos ruins. Sentia-se frustrado, e culpava sua família, principalmente sua esposa, por isso. Aos poucos, começou a perceber que ele era o próprio problema. Apesar de toda perturbação mental, conseguia disfarçar toda essa problemática na vida social. Era um cara muito sério no trabalho, as pessoas pouco o notavam, não sabiam o que se passava na cabeça do homem. Sua esposa, também, não sabia o que se passava na cabeça de seu marido. Apesar de já terem vivido outras crises, sabia que dessa vez, algo de maligno existia. O homem teve vontade de fugir, sumir do mapa, abandonar tudo. Mas apesar de tudo, tinha descoberto que amava sua família, que sua família era a sua razão de viver. Algo contraditório, inexplicável, sua família talvez fosse o problema e a solução de suas angustias. O homem resolveu lutar. Ninguém o entenderia. Tinha que resolver tal empecilho consigo. Sem a ajuda de ninguém, precisava se encontrar. Não sabia o que fazer. Tinha medo da morte. Voltou para casa, depois do trabalho, no auge do desespero. Resolvera caminhar para ver se se acalmava. Iria andar sem rumo, estava agoniado. Por incrível que pareça, a caminhada o fazia bem, sentia-se livre ao andar sem ter para onde ir. Parecia que voltava a sentir as batidas do coração. De longe, avistou uma pessoa mal vestida, era um mendigo. Achou curioso o fato do mendigo ser loiro dos olhos azuis, a barba loira com a aparência suja. O mendigo vinha com um sorriso no rosto, sem preocupações, como se vivesse em um mundo mágico, sem dores, sem preconceito, desprovido de rancor e sofrimento. O homem parecia conhecer aquele ser de algum lugar. Com o sorriso no rosto, o mendigo disse: " Tem uma grana para eu comprar um track com kitkat. " O homem disse: " Que porra é essa de track? " O mendigo com um sorriso respondeu: " Track é martini misturado com Rum e kitkat é o chocolate." O homem disse: " De onde você tirou esse nome ? " O mendigo respondeu: " Da minha cabeça." e sorriu. O homem falou que comprava essa parada se eles pudessem tomar a bebida juntos. O mendigo fez que sim com a cabeça. Os dois caminharam até um supermercado. O mendigo com um sorriso no rosto pelo caminho inteiro. Parecia viver em um mundo mágico, andava de olhos fechados, feliz. O homem, inexplicavelmente, não pensava em coisas ruins. Chegaram ao supermercado. O segurança barrou a entrada do mendigo. O homem ficou meio puto, mas resolveu não discutir e comprar as bebidas e o kitkat. Mesmo não podendo entrar, o mendigo sorria. O homem voltou do supermercado com as compras. Os dois foram até um estacionamento vazio e sentaram-se, começaram a beber. Realmente, o track com kitkat dava uma onda muito doida. Os dois se embriagaram logo. Conversaram o tempo todo, o homem, por algum motivo, encantado por aquela figura que trazia paz para seu espírito. O homem desconfiava que o mendigo era um pouco esquizofrênico, mas admirava sua linha de raciocínio. O homem perguntou: " Qual o seu segredo de vida? O mendigo respondeu: " Estive no fundo do poço, hoje as coisas fazem sentido para mim. Sigo as vozes". O homem perguntou : " Que vozes?" O mendigo respondeu: " As vozes do meu interior". Ficaram um bom tempo conversando, mas o homem precisava ir. Deu um abraço no mendigo e rumou para casa, encontrava-se meio alterado, mas não estava longe de casa. Seguia firme pelo caminho de volta, sabia que não estava curado. Que os pensamentos ruins poderiam voltar a qualquer momento. Mas encontrara esperança. Chegou em casa, abriu a porta, sua esposa o analisou dos pés a cabeça. Depois de um tempo, ela, finalmente, sorriu. O homem foi para o seu quarto.