Conceito aprimorado
Ela não ficou nada satisfeita, mas havia sido trazida de volta à vida por alguma razão.
- Qual foi a parte de "chega dessa porcaria" que não entenderam? - Indagou, tão logo percebeu que havia acordado dentro de um tanque de nucleossíntese.
- Pedimos desculpas, mas estamos tentando entender como as coisas por aqui funcionam - respondeu de fora do tanque uma voz bem educada em tom de desculpas. - A melhor aposta foi você.
- Nossa civilização acabou, entramos em extinção, e não imagino o porquê de alguém no Universo ter interesse em qualquer coisa que tenhamos feito algum dia - replicou, tateando pela trava de abertura do tanque. Encontrou-a e puxou, de forma decidida. Se era para bancar a cicerone para o que quer que estivesse lá fora, melhor que fosse rápido. A cobertura do tanque deslizou para cima e a luz do sol bateu em cheio no seu rosto. Piscou. Estava ao ar livre?
- Olá. Você precisa de roupas? Colocamos algumas ao lado do tanque, caso queira escolher.
Seu interlocutor era um grande ovoide lilás translúcido, que flutuava a cerca de três palmos do chão. Não possuía, olhos, boca, ou qualquer outra característica externa visível. E só então percebeu que ele nem estava falando, mas projetando seus pensamentos na mente dela.
- Creio que não adianta pedir para você olhar para o outro lado - resmungou, saindo cautelosamente do tanque. Não tinha a mínima ideia de quanto tempo havia se passado desde a última vez em que fora despertada, mas vista de fora, a estrutura parecia impecável.
- Tivemos que construir um novo tanque de nucleossíntese segundo as suas especificações - esclareceu a criatura. - Não havia mais nenhum em condições de funcionamento quando encontramos suas ruínas.
- E que lugar é esse? - Indagou ela, enquanto vestia-se com um macacão de serviço do tipo que usara pela última vez sabe-se lá quando, talvez dez ou cem mil anos antes.
- Nós a batizamos de Nova Terra - disse a voz. - Não é exatamente uma cópia da original, mas tentamos reproduzir o ambiente da melhor forma possível.
Ela balançou a cabeça em aprovação. Fossem lá quem fossem, possuíam recursos que certamente seu povo não tivera, mesmo no auge do seu poderio. O tanque estava colocado sobre uma plataforma de cimento, coberta por um toldo que parecia de plástico branco, e ao redor, uma vasta campina coberta de grama e de flores brancas, em todas as direções. Mais ao longe, uma floresta escura e além dela, uma cordilheira com picos nevados. O sol ia pela metade de um céu outonal, de poucas nuvens.
- Fizeram um excelente trabalho, tenho que admitir. Se eu não achasse que a minha espécie não tem mais solução, até gostaria de explorar essa sua Nova Terra - avaliou.
- Estivemos examinando a história de sua espécie e de como caminharam para a própria autodestruição - prosseguiu a voz. - Concluímos que poderiam ter tido sucesso, não fosse por uma falha original de projeto.
- Falha original de projeto? - Questionou ela, sentando-se na beira da plataforma e encarando o ovoide.
- Desta vez, fizemos certo - ponderou calmamente a voz.
E diante do silêncio dela, acrescentou:
- A mulher veio primeiro.
- [10-07-2020]