219 - O Jantar
Alindou a sala, preparou os petiscos, comprou as frutas e os vinhos, ordenou copos e taças, talheres, pratos e pires, as chávenas para o café, os guardanapos. Ajeitou as flores, distribuiu por tacinhas os aperitivos, tomou banho, vestiu a roupa nova, perfumou-se e esperou. Ninguém vinha e ninguém telefonava. Conferiu a lista dos convidados, colegas, amigos, afectos. Por uma ou outra razão os desejava ali mas a principal, a única mesmo válida, era a solidão. Depois que saiu da Empresa, sem nada para fazer, sem ideias, sem ao menos conhecer ninguém no prédio para onde se mudou, a vida tornou-se um ritual deprimente. Acordava à antiga hora, parava o começo da correria e dizia-se: - Hoje também não tens de trabalhar. Voltava para a cama e ficava até que o corpo, mais moído que repousado, exigia sair dali. Precisava de um café bem forte num lugar com muita gente. Desistia. Na varanda olhava sem ver a rua e, em vez de café, tomava não o chá de tília que lhe recomendara a mãe, mas uma anónima tisana à base de ervas com travo amargo que faria bem a tudo o que não sentia. O jantar, concluiu, fora uma má ideia. Seria uma festa se todos viessem, seria bom se alguém tivesse vindo ou, ao menos, tivesse avisado que não poderia estar presente. “A general reformado nem o soldado bate pala”, recordou. Era agora a carta fora do baralho, a figura ausente, a criatura que a ninguém deixara saudades. Despiu-se. Deitou-se. Não chorou.