O Cofre
Pedia-lhe que o não incomodasse e fechava-se no escritório da casa. A lida a partir daí era silenciosa, sem ruído de aspirador ou bulha de pratos e talheres na cozinha e a empregada a evitar tudo o que pudesse interferir com a sua concentração. - Muito trabalha este homem tão cheio de disciplina, pensava. Mas o que faria tanto tempo ali trancado? E a curiosidade foi crescendo, foi tentando perceber, ligando o que imaginava aos barulhos do cofre a abrir e fechar. Talvez escrevesse porque para ler havia lá pouco: um caderno com meia dúzia de endereços e raros números de telefone, uma revista antiga, cartões-de-visita na caixa de porcelana, a jarra com as rosas tombadas de secura, o retrato dele quando jovem, dois castiçais com velas virgens. E escutando-o ouvia a fechadura do cofre imenso e pesado, via maços de notas de mil, um baú de sândalo com as jóias da falecida, a escritura do prédio e muita documentação que saía parta voltar ao cofre de que só ele tinha a chave e o código. Quando à hora dele sair não saiu nem mais o cofre se abriu ou fechou, Conceição afligiu-se. Bateu à porta levemente, com mais força e depois a murro e aos gritos: Senhor Saraiva, Senhor Saraiva. Arrombada a porta de carvalho viram-no de borco sobre a secretária e o cofre aberto sem…nada!