ACONTECEU NUM VERÃO
Franzino e algo retraído, Lucas dera graças a Deus quando finalmente o ano letivo terminou. Pelo menos até o reinício das aulas em fevereiro, estava livre das brincadeiras de mau gosto dos colegas e daquele professor de química chato.
Sem namorada, só restara ao jovem de 15 anos passar o verão em Bertioga, município do litoral paulista, com os familiares, numa reprise do verão do ano anterior.
Na verdade, foi naquele inesquecível janeiro de 2018 que Lucas vislumbrara a garota mais linda que os seus olhos já haviam visto em toda a sua vida. Na beira do mar, uma jovem esguia de límpidos olhos azuis e longos cabelos louros, usando um biquíni verde-água, lançara um belo sorriso ao rapaz, em seguida, virando-se de costas, retornou ao mar para nadar, e Lucas, embora tentasse acompanhá-la com os olhos, logo a perdera de vista. A moça parecia um peixe, tamanha era a sua destreza dentro d’água. Fora apenas um prolongado olhar e um breve sorriso maroto, porém, a imagem daquela deusa ficou gravada no coração do tímido adolescente.
"Talvez ela more em Bertioga e frequente sempre a Praia da Enseada, ou quem sabe passe os verões lá assim como eu?" Com tais pensamentos, Lucas nutria a esperança de poder reencontrar aquela que havia arrebatado o seu coração, e se isso acontecesse, ah, venceria a sua timidez e iria conversar com a deusa loura, afinal, se ela lhe sorrira é porque de alguma forma ele a agradara, convenceu-se.
Na fase da efervescência hormonal, Lucas se masturbava muitas vezes numa mesma noite. Filho de pais conservadores e rígidos, algumas vezes se envergonhava, mas era algo que não podia evitar. O adolescente distraía-se em devaneios românticos e seu corpo queimava de desejos por aquela deusa desconhecida que encontrara na praia.
Lucas, seus pais, seu irmão mais velho e sua futura cunhada, hospedaram-se em uma bela e aconchegante pousada na região da orla marítima próxima ao centro da cidade. Já seu primo Dudu, um ano mais moço do que Lucas, e seus familiares, foram para um hotel. De todo modo, a reunião na praia daqueles parentes estava garantida pelos próximos oito dias. Lucas e Dudu caminhavam pela areia dura e escura característica daquela região enquanto conversavam. Foi Dudu, um adolescente corpulento e meio desajeitado, quem observou:
— Você reparou no maiô que a noiva do seu irmão está usando?
— Não — Lucas só pensava na sua musa loura da praia — o que tem ele? O primo deu um sorrisinho maledicente e emendou sem piedade:
— Bem, acho que ela deve ter pegado esse maiô emprestado da nossa avó.
— Pois é, o idiota do meu irmão não quer que ela use biquíni, e a boboca faz tudo o que ele quer. Não sei do que ele tem receio; a Morgana nem é bonita.
— Um é idiota e a outra é boboca. Sem dúvida formam uma bela dupla, ah, e por falar em dupla, Lucas, sabe por que formamos uma boa dupla? Dudu sempre lhe formulava tal indagação e por isso o adolescente de 15 anos já tinha a resposta bem na ponta da língua, todavia, desejoso de dar mais corda à brincadeira, Lucas respondeu:
— É que sou inteligente e você é burro. Formamos uma dupla equilibrada. Imagine se nós dois fôssemos inteligentes?
— Resposta errada, senhor inteligente. Formamos uma boa dupla porque a gente não pega ninguém.
— Ei, não reclame, Dudu. Sua irmã me disse que um dia desses você ficou com uma menina na balada, e que até beijou ela.
— Aí, cara, aquilo não valeu. A mina tava chapada. Agora chega de papo, vamos dar um mergulho naquele marzão. Mesmo aparentando uma personalidade mais atirada, na verdade Dudu era tão tímido com as garotas quanto o próprio primo.
À noite na pousada.
— Preciso falar com você, Lucas. Mais cedo eu te vi falando com seu primo e...
— Fique tranquila, Morgana — adiantou-se o adolescente — não falei uma única palavra pro Dudu, e muito menos para os meus pais.
— Valeu! E mais uma vez eu te peço desculpas. A gente não tinha nada que ter feito sexo no sofá da sua casa.
— Não exagere, Morgana, afinal, você e meu irmão vão se casar mesmo.
— Eu sei, mas isso não foi legal mesmo, e acredite, fiquei tão envergonhada quanto você.
— Tudo bem, cunhada, vamos passar uma borracha por cima disso, tá bem? Faz de conta que eu nunca peguei vocês dois naquele sofá.
Acariciando levemente o rosto do futuro cunhado, Morgana, que era de baixa estatura e tinha cabelos castanhos e cacheados que não lhe chegavam aos ombros, disse em tom de reconhecimento e gratidão:
— Você é um bom rapaz, Lucas, merece encontrar alguém que seja especial. A noiva de seu irmão fez menção de se retirar, mas Lucas a deteve por um instante.
— Espere um pouco, Morgana, não deixe aquele babaca do meu irmão pisar em você, pois nenhum amor merece isso.
— Valeu de novo, Lucas! Não é fácil, mas juro que vou tentar.
Os dias foram se passando, e nada de Lucas reencontrar a garota da sua mais maravilhosa visão. Não contara a ninguém sobre aquela paixão, nem mesmo a seu primo Dudu.
Às vezes o rapaz chegava a duvidar que a imagem daquela mulher fosse mesmo real. "Ah, ela é tão linda que é bem provável que seja só fruto da minha imaginação", pensava.
Na véspera da partida, todos aproveitaram o último dia de praia até a chegada do crepúsculo vespertino. O jovem Lucas estava visivelmente chateado e se afastando um pouco do grupo de familiares, deitou-se na areia dura e escura, fitando o último pôr do sol da Praia da Enseada.
— Você não vem, Lucas? — Indagou o primo.
— Vou ficar mais um pouquinho e depois volto direto pra pousada.
— Ei, cara, não fique triste. Ano que vem tem mais verão e com certeza a gente vai pegar alguém. Anime-se, Lucas! Mas, como o primo permanecia calado, Dudu resolveu voltar para o hotel. Ainda teve tempo de ouvir Lucas dizendo:
— Valeu, Du!
A Lua começava a surgir, quando uma suave melodia feminina começou a ecoar no ambiente. Lucas se levantou rapidamente e começou a seguir aquela voz de soprano que parecia levá-lo a um estado hipnótico.
Seduzido por aquele canto, o adolescente não saberia precisar o quanto já andara pela areia seguindo o som daquela melodia. Finalmente pôde avistá-la na beira do mar. Mesmo sob a luz prateada do luar, reconheceu-a de pronto. A bela moça estava nua e de pé, e quando o rapaz se aproximou mais, a deusa dos mares parou de cantar e lançou-lhe um lindo sorriso. Demonstrando dificuldades para se expressar na nossa língua, a jovem falou:
— Vem, não ter medo.
Lucas nesse instante não pôde frear suas emoções; despiu-se de suas roupas e logo se arrojou nos braços da moça. O rapaz beijava aqueles lábios róseos com volúpia, enquanto acariciava as douradas melenas da sua amada deusa.
Quando se desvencilharam um pouco, a jovem pegou Lucas pela mão e no momento em que as águas atingiram a sua cintura, as pernas da sereia se transformaram em uma longa cauda de peixe. O casal recém-formado logo iria submergir no mar de Bertioga.
Nos dias que se sucederam, nenhuma busca obteve sucesso e nenhum corpo foi encontrado, apenas uma camiseta que pertencia ao jovem Lucas.