200 - Quarentena
Esmagou com o garfo a mosca na toalha . Por pouco falhava, pensou, observando os derradeiros batimentos de asa sobre a cereja bordada a granité. Raspou-a com a unha e soprou-a para a beira da mesa. Se alguém tivesse visto haveria de compor um rosto de enfado e levantar-se-ia para passar uma água pelas mãos. Assim, limpou a unha ao guardanapo, pegou na colher e ainda antes de provar gritou: -A sopa está fria! Na cozinha, a empregada, ignorou-a. Já poucos se importavam com D. Amália que tanto poderia vestir o papel de vítima e dizer-se abandonada como levantar-se em fúria e ameaçar tudo o que mexesse. Quando veio a posta da pescada, o ovo cozido e os legumes, tudo já temperado de azeite e vinagre, pediu o sal e a pimenta. A mulher acabou de limpar o tacho, pegou nos frasquinhos de vidro facetado e pousou-os fora do seu alcance. Divertia-se a vê-la esticar-se até à pimenta e a desistir dela depois de esgotar, colérica, todas as asneiras que sabia. – Maria, Maria! E a moça que ali fazia tudo, não respondia. – Já acabou, senhora? E, sem esperar resposta, levantou o prato e os talheres e voltou com a taça de arroz doce. – Traga-me a canela, pediu com força. E a empregada, a achar graça, trouxe outra vez o frasquinho da pimenta.