A quebra da inocência
Dalvinha, com aqueles cachos, e a melíflua voz, era simplesmente angelical. O diabo era a voluptuosidade que os seus treze anos lhe iam moldando...
E os costumes da terra, a proteção exacerbada do pai, somados à inexpugnável autoridade do vigário, não deixavam margem senão aos sonhos e pesadelos da garotada.
E Rogério certa e cegamente era o mais inflamado entre os seus pares. Se incandescia só de ouvir Dalvinha cantar no coro da igreja, nas missas dominicais. E pouca coisa mais dava para Rogério avançar em suas loucas lucubrações...a menina usava roupas ultraconservadoras que lhe cobriam até os punhos e os tornozelos....sobretudo para as funções eclesiásticas, rigorosamente pautada e pauladas pelo rigor do reverendo e temível pastor.
Contudo, o próprio vigário se regozijava com o afluxo de fiéis à missa das nove, sobretudo de meninos que, silenciosa e ciliciosamente iam se mortificar de ver e sentir aquilo que estava tão distante de seus alcances...
E naquele Domingo da Ressurreição, com a igreja abarrotada, eis que justamente no hora da consagração, um passo desproposital da anja Dalvinha, fá-la pisar numa parte apodrecida do assoalho, e seu corpo se projeta para o vazio, seguro apenas pelo milagre dos quadris da mais perfeita silhueta que o Criador ali pusera...e sem depilação...de perverter o mais empedernido cristão...
O vigário, único que estava defronte para o inusitado espetáculo, num átimo, baixou a hóstia consagrada, e soltou os pulmões vociferando a defesa da castidade:
- Ai daquele que ousar olhar para trás! Por obra do Satanás, tal qual a mulher de Lot, que desobedeceu a ordem do Jeová, cego no ato ficará!
Rogério, quase arfante, muito antes daquele fatal instante, apenas bateu o cotovelo no colega Aristeu, e lhe sussurrou, cobrindo uma vista com a mão, e se volvendo para trás:
- Teu, eu juro por tudo tudo de mais sagrado e sangrado, que vai valer a pena arriscar um olho...