Não é normal
- Michael, como você se sente?
Deitado no divã, olhando para o teto, Michael respondeu a pergunta da terapeuta de forma cautelosa:
- Não tão bem... ou eu não teria vindo procurar ajuda, doutora Zofia.
- Mas nem sempre as pessoas procuram terapia apenas porque não se sentem bem - ponderou a terapeuta. - Às vezes, apenas querem descobrir mais sobre elas mesmas. Mas o que o fez pensar que não estava tão bem?
- Eu tive uma espécie de... acho que um tipo de... colapso nervoso... não sei. Estava difícil seguir com a universidade, então tranquei a matrícula.
- E qual foi a reação da sua família quando tomou esta decisão?
- Não houve. Eles moram em Filadélfia, não tenho família aqui em Ohio.
- E alguém lhe aconselhou a vir procurar ajuda profissional, ou veio por sua própria iniciativa?
- Foi o Jimmy quem teve a ideia. Jimmy geralmente fica inquieto quando fico sem falar muito tempo.
- Jimmy vive com você?
- Sim.
- E o que esse Jimmy é seu? Um parente, um amigo, ou...?
Michael virou-se para a terapeuta, testa franzida.
- Nada desse tipo, doutora. Nós nos conhecemos desde crianças.
- Certo, certo - a terapeuta anotou algo em sua caderneta. - Então o Jimmy lhe sugeriu que viesse procurar ajuda.
- Exato.
- E além do Jimmy, você tem outros amigos aqui em Columbus?
- Amigos? Não... ninguém muito chegado. Não sou muito sociável.
- Nem mesmo no seu trabalho?
- Não... nada além do nível profissional.
- E quanto a relacionamentos?
- Comecei alguns, mas não foram adiante. Acho que o Jimmy... o Jimmy é um pouco ciumento.
- Jimmy atrapalhava os seus relacionamentos? - Indagou a terapeuta, caneta encostada no queixo. - De que forma?
Michael deu de ombros.
- Da forma como sempre faz... interrompendo a conversa. Isso não acontece com a senhora?
A doutora Zofia ergueu os sobrolhos.
- Acontece... o quê?
Michael bateu com o indicador na testa.
- A outra voz na sua cabeça. Interrompe os seus pensamentos, quer falar sobre outra coisa.
A terapeuta tomou notas antes de responder.
- Essa outra voz... é o Jimmy?
- É como eu o chamo. Ele nunca se identificou - admitiu Michael.
- As pessoas... a maioria delas... não têm uma segunda voz dentro da cabeça, Michael - respondeu a terapeuta. - O padrão, o normal, é você ter apenas uma voz interna, a da sua consciência em funcionamento.
Michael a encarou, realmente surpreso.
- Quer dizer então que todo mundo... ou a maioria... possui apenas a sua própria voz dentro da cabeça?
- Sim, Michael.
Ele voltou os olhos para o teto novamente, processando a informação recebida, antes de se manifestar:
- Jimmy está me dizendo que você são pessoas bem solitárias.
- [25-05-2020]