188 - Quarentena
Conta. E a neta, ali presa e impaciente, narrava tudo outra vez. O convite para ir à discoteca, a barulheira onde, ainda que quisessem conversar, não podiam. Ele falava com as mãos e as dele, seguramente, tinham imensos dedos, pontas finas e ágeis, invasivas. Muita gente, luzes agressivas, ninguém se conheceria sob os focos, a dança frenética das luzes, a música tão alta que tudo vibrava. A grande maioria precisava aturdir-se e aquele era o lugar ideal Bebiam, fumavam nos lavabos e ali também vomitavam o jantar ou o lanche. Voltavam ao salão e, ainda com bafo azedo, a sós dançavam as frustrações e os medos. – Mas … e depois? Que foi que fizeram? Depois, nada de especial. Repeti o gim tónico, provei a caipirinha, bebi do conhaque dele e, já de pernas moles, a rir sem saber de quê, apertada no seu abraço, chegámos à rua. Ar fresco e alguma chuva fizeram-me bem e passou-me a agonia. Disse que vínhamos para casa e levou-me para o estúdio dele. Despiu-me. Despi-o. Pintou-me o rosto de castanho e chamou-me negra. Bati-lhe. Bateu-me. O resto, avó, já te contei. – Mas não recordo. Onde mesmo é que ele te violou. Na cama ou no sofá? – No chão, curiosa! O estúdio só tinha um cadeirão onde não cabíamos os dois.