184 - Quarentena
Não saem. Não querem sair. Têm pavor de sair. Vejo-os através dos vidros das portas, desalinhados e com os pelos todos a sobrar sobre a gola do roupão. Desistiram de sair e aprenderam que nem é tão terrível ficar a leste dos conflitos. Vêem-nos do lado de lá como se fossemos gente estranha e riem-se, apontam, e de nenhum modo se sentem obrigados a acenar, a enviar beijos na ponta dos dedos. Comem antes de nós e deitam-se quando lhes apetece. Escrevem cartazes que encostam aos vidros para pedir o que precisam e necessitam das coisas mais insólitas. Na verdade têm medo de todos os que trabalham fora de casa e nesse filtro poderoso imolam os afectos mais firmes e congelam raivas. Vivem num limbo só deles. Nem sempre usam talheres e é comum vê-los comer a salada como se fossem macacos. Riem com a boca cheia e limpam as mãos à toalha de mesa. Em desespero de causa abrem uma nesga da porta e falam recados que se percebem pelo sentido uma vez que metade das palavras se perde na placa larga e nas pregas da máscara. São da nossa família e são velhos. Querem vencer os males de que sofriam e o vírus. É um combate desigual, dizem.