A GRÁVIDA - coisas da vida

Eu precisava urgentemente de um médico para lhe falar de umas terríveis dores e com sua ajuda me livrar de indesejados incômodos que diuturnamente me atormentavam e, para tanto, pulei da cama bem no raiar do dia e cheguei cedinho ao posto de saúde.

Lá, numa fila única que se estendia a metros, havia algumas gestantes aguardando o atendimento da doutora Rosana: uma respeitável ginecologista que diariamente cuidava das grávidas e de seus fetos, e que, por todos ela era bem conhecida por seus momentâneos maus-humores. Ela costumava se esbravejar com qualquer pessoa e por qualquer motivo, mas fora isto ela era uma dulcíssima pessoa.

O ATENDIMENTO

Peguei uma senha que me destinava ao clínico geral e próximo a um homem que gemia de dor sentei-me numa desconfortada cadeira de madeira da sala de espera onde fiquei de olhos no letreiro vermelho, à espera e à escuta; com a audição a toda prova. Mais adiante as gestantes se acomodaram em seus confortados assentos e logo se mostraram impacientes e indignadas com a demora de uma delas lá dentro do consultório da doutora Rosana, de onde saiam tonitruantes trocas de palavras ofensivamente calorosos, que ora se alteravam e ora se abrandavam fervorosas entre as quatro paredes.

Todos da sala de espera se entreolhavam admirados e em gestos denunciavam seus repúdios pela esquisitice do comportamento profissional da digna doutora com sua delicada paciente, e vice-versa. Mas ninguém se atrevia a proferir qualquer tipo de comentário sobre a tal bate-boca. Ali o que mais se via eram cabeças com movimentos oscilatórios em sinais de desaprovação pelo alarido que não se podia deixar de ouvir naquele ambiente hospitalar, onde, numa parede caiada um cartaz com a foto de uma enfermeira, dignamente vestida, tinha seu dedo indicador sobre a boca alertando para se ter silêncio naquele local.

Na certeza de que algo ruim iria acontecer, o segurança do posto, um mulato alto e bem corpulento que ficava de guarda na porta principal e que orgulhosamente exibia sua farda azul-marinho bem engomada e passada, e que ostentava um intimidante cassetete, se aproximou sério, calmo e sorrateiro até a porta da doutora Rosana e lá montou sua vigília, ereto, tal qual um admirável sentinela palaciano da honorável rainha londrina, mas, de vez em quando ele sacudia sua cabeça num afirmativo gesto de descontentamento pelos impropérios que, às gritarias, ecoavam da consulta ginecológica até os ouvidos dos presentes. Cá fora ninguém sabia de nada, só os maliciosos olhares se mexiam como a indagar: por que tamanho alarido? Onde já se viu uma discórdia tão brava entre um médico e seu paciente? Que estaria desrespeitosamente acontecendo lá dentro?

Inesperadamente o silêncio do ambiente foi quebrado com a espantosa exclamação do tal indivíduo que gemia de dor e que deu trégua a seus gemidos para encarar o guarda e a ele se manifestar, gritando:

- Seu guarda, que diabo está acontecendo ai? Isso vai acabar é em merda! – e, como nada ele teve como resposta, simplesmente voltou a gemer.

O mistério do palavreado só foi desvendado quando a tal consulente abriu a porta e apareceu histericamente sacudindo os braços e xingando a doutora de louca, imbecil, cachorra, maluca, filha da puta, doutora de merda, etc, etc e tal, e assim prosseguia com muitos outros adjetivos indignos à honra da ilustríssima doutora, e que, não obstante, virando-se para as pessoas ali presentes ela levantou sua blusa e, estapeando sua própria barriga, assim urrava:

- Pessoal, veja só, olhem pra mim: essa desgraçada (a médica) está dizendo que não estou grávida! Mas vejam o tamanho da minha barriga, Espiem pra mim! Vejam que barrigona eu tenho! Estou grávida, ou não?

Todos, simplesmente olhavam-na em silêncio.

E ela prosseguia:

- Isto que vocês estão vendo é um bebê que se mexe o tempo todo e não o que aquela desgraçada acabou de me dizer! Vejam, isto aqui (batendo na barriga) é um filho querido de meu amado Azenon, e nós o fizemos com todo amor! Ele mexe o tempo todo e não me dá trégua. Tenho certeza que é um menino que ta louco pra sair e conhecer o papai.

Nesse ínterim, a doutora, que a tudo ouvia, saiu do consultório para pessoalmente acabar com o barulho e o descontrolado discurso da barriguda e, aos gritos de: deixe-me falar, me deixa falar, eu quero falar, ela se defendeu assim narrando:

- Gente, olhe! Olhem só a loucura dessa mulher! - e encarando-a, proferiu aos berros: - eu já lhe disse que não existe nenhuma criança nessa sua barriga. E que isto, também, não é gravidez psicológica. Os exames de laboratório acusaram que seu intestino está cheio de áscaris, de ancilóstomos, de solitárias, enfim: de lombrigas, entendeu? Entendeu? – e concluiu: - é bom você tomar o vermífugo que te receitei e... ponto final! Agora saia já daqui, suma, vá pra sua casa e me deixe trabalhar!

A barriguda não gostou da exposição sobre a sua “gravidez” e partiu animalescamente pra cima da doutora. Ela queria, por todos os meios dar segurança e dignidade ao seu "quase" bebê. Foi um deus-nos-acuda. Cadeiras voaram pra todo lado e um inesperado corre-corre foi inevitável. O sujeito que gemia desapareceu do ambiente. Até mesmo o segurança, que há pouco se enchia de pompa com sua farda azul-marinho, bem apresentável, nada pode fazer além de mostrar seu temível cassetete para a brava barriguda e repetitivamente lhe dizer:

- Calma minha senhora, calma senhora.....calma! ......calma!

O zumzum só acabou depois que a barriguda saiu lacrimosa e resmungante na direção da rua, aonde, aos ataques das verminoses ela gritou, rodopiou e caiu desmaiada na imunda lama da sarjeta.

Apesar da doutora ser a vítima dos fartos impropérios, foi ela mesma quem socorreu a briguenta levando-a ao hospital, onde lá foi internada e consequentemente libertada do indesejado criatório de lombrigas.

O mais intrigante é que sai de casa, tão cedo, para falar com um médico, mas - por incrível que pareça -, lá só assisti aquela pândega e depois voltei pra casa com minhas dores, momentaneamente incuráveis, pois naquele dia o clínico geral faltou ao trabalho.

JOSE PEDREIRA
Enviado por JOSE PEDREIRA em 06/05/2020
Reeditado em 14/09/2022
Código do texto: T6939620
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