O aniversário

O lugar era este. Tenho a certeza. Vê o homem à porta? Aquele de aspecto primitivo, braços caídos do tronco, olhar de cão. É meu pai. Veio para ter comigo. Assuntos os mais insignificantes. Uma cigana há muito lhe dissera que a mulher a seu lado, minha mãe, carregava um menino, e que por alguns trocados ela lhes falaria sobre o meu futuro. Meu pai, sob os olhares tomados de maravilha de minha mãe, lhos deu à cigana e, após lhe ouvir as previsões, acertou-lhe um tabefe ao rosto. O menino morrerá homem, aos vinte e oito anos, ela dissera. Minha mãe, abraçando a si própria, protegeu-me com os braços, como se um abraço fosse perpétuo. Meu pai à porta veio ter comigo hoje porque farei vinte e oito anos. Tu, Izaro, presenteou-me com um abridor de cartas. A sua prata que cura e afasta os males não me salvará. Teu amor também não. Nos meus sonhos tu grita sobre o meu corpo, amaldiçoa o meu pai, ameaça-lhe com o punhal de prata. As pessoas em torno de nós se assustarão. Não vale a pena. Os gritos das brigas que escutei na infância ainda ribombam em meus ouvidos. Podemos poupá-los, poupar-lhes as crianças. Meu pai tem razões, eu lhas dei. Ele se aproxima. Peço-te que vá agora. Desejo-te os amores, os filhos e as filhas, as melhores profecias. A raiva de meu pai o fará errar da primeira vez. Alguém será sepultado comigo. Não será tu, minha Izaro. Será outro, será inevitável. A hora de meu nascimento se aproxima...