183 - Quarentena
Quando o espaço comum se reduziu e os conflitos subiram de tom, decidiu isolar-se onde pudesse, a maioria das vezes no lugar onde estava. Olhos parados, cabeça ausente, via pelo espírito coisas diferentes do quotidiano. Pensava, imaginava, suscitava no seu interior questões que, rigorosamente, não interessariam a ninguém. Foge-se de muitas maneiras e ele deixou de ver e de ouvir, desligando a atenção de discussões, egoísmos, banalidades. Tanto lhe dava que comemorassem como não o 25 de Abril, o 1º de Maio, a Tomada da Bastilha. Estava ali mas saía, tinha encontros, inventava situações, ria sozinho. A seguir, fechava-se no escritório e escrevia compulsivamente, sobre o que houvesse para analisar. Escolhia coisas estranhas como a base do quebra-luz, o naperon de renda, o rasgado das calças de Sofia. E o que havia de ouvir, não ouvia, também não via, perdeu o tacto e quando decidiu falar alto o que disse era tudo o que não sentia. Acharam-no deprimido, esquecido, sem ideias. Já ninguém o convida para jogar nem voltaram a perguntar nada. Ele passou a não contar. Chamavam-lhe minimal para significar que quase não existia.