181 - Quarentena
Quando deixei de perseguir, desodorizar e raspar pelos fiquei com um ar diferente. Também deixei de usar perfume, sabonete ou banhos demorados. Era impossível aturar a nova competição à hora a que todos precisavam da casa de banho. Muitas vezes, desleixado, abria o duche, deixava correr a água e saia seco. Para melhor a enganar molhava com as mãos o cabelo e assobiava como dantes. Uns dias poderia ser assim, noutros perante a constatação do lençol seco, dizia-lhe a verdade. Água com fartura, quente, só uma vez por semana. A pele ficava mais oleosa, concentravam-se os odores do sovaco, as pilosidades amaciavam ao toque e ela vibrava sem saber bem o que agora tanto a atraía em mim. Por sua vez, Cristina, sem pinça e com os cremes esgotados, relaxara-se no tratamento da pele e ficava-se pela higiene mais sumária. Éramos dois trogloditas que se amavam. Um amar renovado com cheiro a suor e odores fortes. Um regresso às cavernas, ao mundo tosco dos que, sem obrigações sociais, voltavam, com prazer, a ser primitivos.