Cinco notas dos diários de Barbara

22 de setembro, domingo

Minha mãe e eu assistíamos a um filme grego. As legendas eram do saudoso amarelo. O idioma era bonito. Todos os idiomas o são, eu acho, a seu modo, como as pessoas, como seus rostos e suas características peculiares. Minha mãe não gostava do filme, eu podia ver isso pelo modo como ela mantinha os dedos na boca, como se estivesse roendo as unhas, quando não estava. Quando apreciava o que víamos, ela mantinha as mãos ao colo, fazia comentários. Ela não dizia nada agora.

Havia um personagem no filme, um senhor, muito carismático e querido; em uma cena, numa praia branca, cheia de lençóis brancos estendidos, ele foi baleado no meio de uma confusão armada. Era triste ver aquele personagem morrer ali, sozinho, e minha mãe, por sua vez, não esboçou nenhuma reação, como se nada fosse. Quando este mesmo personagem, no entanto, após tocar no próprio ferimento fatal, tornar rubras as mãos de sangue, e, acredito, para efeitos de dramaticidade, passar a mão ensanguentada nos lençóis brancos, manchando-os enquanto caminhava vacilante e retornava da praia, minha mãe, que há muito não se manifestava, disse assim, em tom indignado: - ''Pra quê sujar os lençóis, tão brancos que estavam?''

4 de novembro, segunda

Minha mãe está de mau comigo hoje. Atirei no terreno vizinho uma porcaria de um pedaço de pau. Havia um prego nele que quase atravessou o meu pé. Ela ficou assim comigo porque ela usava aquele pau para manter firme uma lajota solta da nossa área de serviço. Agora a lajota voltou a ficar frouxa no piso. Ela nem pediu para ver o meu machucado, não me olhou nem nos olhos, só falava que a lajota estava novamente frouxa. Acho que não infeccionou, meu pé nem está doendo mais, mas foi um susto, cheguei a cair para o lado. Meu cotovelo é que está dolorido.

27 de novembro, quarta

Resolvi cortar o meu cabelo bem curto. Como Natalie Portman naquele filme em que há um quarteto amoroso bem deprimente. A novidade? A outra novidade, é claro: cortei o meu cabelo eu mesma e ficou muito bom. Todo o mundo elogiou. À noite, enquanto acariciava o Figo, minha mãe e minha irmã voltaram a comentar sobre o meu corte e como havia ficado bom. Cheia de mim, me sentindo muito importante, eu disse: - ''Eu posso fazer o que eu quiser!'' Minha irmã sorriu, mas minha mãe não. Ela me olhou sem sorrir e me disse: - ''Dá uma cambalhota para trás.'' Eu perguntei: - ''O que?'' Ela repetiu: - ''Dá uma cambalhota para trás. Vamos!'' Eu não conseguia fazer isso, dar uma cambalhota, e não o fiz. Senti um aperto na garganta, ainda sinto, vou dormir com ele esta noite.

1 de dezembro, domingo

Minha mãe sempre me acorda aos fins de semana. Bem cedo, para tomarmos café juntas. Assistimos TV e comentamos sobre as coisas do mundo. Mas fazem dois finais de semana que ela não me chama. Hoje pela manhã despertei com vozes na sala: minha mãe e uma amiga da minha irmã conversavam. Ela é alguns anos mais velha do que eu, pediu aos pais para passar as férias com a amiga dela, minha irmã, ambas tem um projeto, ao menos é isso o que elas dizem a todos. Minha irmã acorda à hora do almoço, mas sua amiga é bem regrada, desperta cedo. Gostaria de acompanhá-lhas, ela e minha mãe, ao café, seria divertido. Tenho o sono pesado, não sei porque minha mãe não me tem acordado.

20 de janeiro, quarta

Parece que tudo mudou com o ano novo. Tenho o domínio do inglês e do italiano. Aprendi sozinha. Um livro sobre a história da afasia me ajudou muito, ao falar sobre o cérebro. Descobri que ele tem várias espécies de memórias, entre elas a memória visual, a memória auditiva e a memória muscular. Com essas informações criei um sistema de estudo onde eu trabalhava todas elas, foi assim que consegui aprender duas línguas tão rápido. Minha mãe diz que é perda de tempo, mas eu quero aprender outras; não é pelo conhecimento, é pela poesia, pela música peculiar de cada idioma.

Ah, uns rapazes, um vizinhos com quem nunca falei antes, de algum modo descobriram meu nome e vez ou outra me chamam na frente de casa. Minhas amigas tem me elogiado a beleza, eu não acho que mudei tanto assim. Tenho me sentido bem, é só; exceto quando em casa: minha mãe mudou muito comigo: vive a por defeitos em tudo o que faço, nas minhas amizades, no meu cabelo. Às vezes só quero um banho quente para poder chorar sozinha. Sinto uma pressão tão grande nessa pequena casa. Olho para o Figo, os olhos tão inocentes, e que consolo eles me são.