Excerto moral

- Capitão, eis o pervertido.

Aos pés do dito capitão os navegantes lançaram um homem que tinha as mãos e a boca sujas de sangue. O senhor do navio, enojado, cuspiu-lhe no rosto pouco antes de lhe desferir um forte pontapé no estômago. ''Bote pra fora, desgraçado!'', disse ele.

- Capitão - começou um dos navegantes de pé que compunham a sala e a guarda do passadiço - Além de tudo, este verme é um subversivo, um traficante de ideias. Tentava convencer os próprios companheiros dos benefícios da carne vermelha.

O homem seria morto ali mesmo não fosse a chegada de outro: Karl Koler.

- Não percam a razão, marujos - bradou Koler - Este homem é doente. Precisa de nós.

- O paladino dos mares, Karl Koler, - ironizou o capitão - O que nos dirá? Que alguma mãe maldosa o alimentou a base de carnes em sua tenra infância, pervertendo-o e agora o monstro merece toda a nossa pena?

- Sim, é o que direi, ou o que poderia fazê-lo.

- Vê aquele homem na parede, Koler? - apontava o capitão para um quadro onde numa pintura estava representado Pitágoras - Não comemos carne animal. Você, com suas ideias e suas penas, apesar de ser um de nós, não passa de um heresiarca. Um pagão!

Koler se aproximou do homem caído no chão para lhe prestar auxílio. O capitão enfurecido apenas observava. Koler olhou para o capitão, depois para cada um dos outros: - ''Os senhores não percebem que estão os senhores também sedentos por sangue? Que tipo de moléstia nos impede de perceber a concatenação entre os eventos? Que distúrbio faz de nós juízes tão contumazes?''

Calado o capitão observeu Koler levar o homem para o convés. Aos respectivos postos retornaram todos os navegantes. As águas eram calmas aquelas horas.