Coco e Dolores, um diálogo
Coco e Dolores encontravam-se diante de uma bifurcação. Trágico e funesto, nas palavras de Dolores. Um problemão, nas de Coco. Era a vida, um poema de Robert Frost, uma puta sacanagem da Fortuna que se punha ali diante das duas. Coco para lá, Dolores para cá. Eram duas, dois corpos, mas não se separariam.
Coco: Dolores, como é mesmo aquela expressão grega idiota?
Dolores: Micro, micro. Macro, macro.
Coco: Não, não...
Dolores: Alfa, beta, gama, delta, épsilon, ... (Coco pensava...) zeta, eta, teta, iota, capa, lambda, mi, nu, xi, ... (Coco pensava...) omicron...
Coco: EUREKA! EUREKA, PÔ
Dolores: Parabéns pela descoberta, Coco.
Coco: A descoberta é: determinismo.
Dolores: Causa e efeito.
Coco: Essa conjunção não pega bem. Causa/efeito... Causefeito...
Dolores: Aonde quer chegar?
Coco: Do outro lado, como você. Não há necessidade de cogitarmos por qual lado iremos, medir pesos e lógicas, o determinismo seguirá seu curso.
Dolores: Não quer mais escolher?
Coco: Escolher o diabo. Livre-árbitro é uma invenção da vaidade. Posso dar milhares de razões subjetivas e pessoais para seguir este ou aquele caminho, mas cada etapa de meus raciocínios terá sido determinada por uma etapa anterior que começou a se formar em minha mente quando pus os olhos na maldita bifurcação. Refiro-me a etapas no singular, mas é sempre plural, é diverso, é transversal, é não-linear. Envolve este lugar, envolve meu organismo se relacionando a ele, envolve minhas associações mentais, meu quociente de inteligência, a saúde do meu corpo, se o meu estômago está vazio ou não, minhas memórias, minha vida em toda a sua extensão, e o que, nisso tudo, eu controlo? Que escolha eu tenho?
Dolores: Poderia ter escolhido frango, hoje mais cedo, mas preferiu carne de gado.
Coco: Mas se não tivesse a maldita carne de gado, eu teria ''escolhido'' frango, certo? Até porque poderia ter ''escolhido'' nada. E isso envolve a contingência do cenário, do mundo exterior, dos outros que o envolvem, e que eu controlo menos ainda. Menos ainda! Tenho o discurso contaminado de preconceitos!
Dolores: Direita ou esquerda? O mais pisado ou aquele ali cheio de mato?
Coco: Vamos observar apenas, deixar a heurística fazer o que sabe.
Dolores: Coco, nunca saíremos daqui.
Coco: Deixe-me observar...
Dolores: Entendo você, Coco, mas e se decidirmos por caminhos diferentes. Quero dizer, se formos levadas por esse abantesma a decidir por caminhos diferentes...
Coco: Existem dois tipos de abantesma, Dolores, um dizem que nos guarda lá das nuvens, o outro que mora atrás de nossos olhos. Quimeras!
Dolores: Falando em nuvens, o céu escurece.
Coco: Não vê que acabado o livre-arbítrio se acabariam os julgamentos, tanto pessoais como processuais? Dado o delito, investigariam-se os meios, os processos químicos, os colóides, os efeitos borboleta... O moralismo se tornaria tão mórbido quanto limpar as cacacas do nariz na frente de alguém. Rinotilexomania, sua idiota, imbecil, débil!
Dolores: Esqueceu ''sábio idiota''.
Coco: Vamos por ali.
Dolores: Pela...
Coco: Não diga nada. Se alguém estiver nos ouvindo, vai achar que falamos de política.
Dolores: Pã nos livre.
Coco: Amém.
Dolores: Se o determinismo te fez decidir por ali, eu, que apenas te sigo, que papel tenho nesta história?
Coco: Tem um papel tão importante quanto o meu. Se te desagrada, culpe teu meio social, teu berço, teus pais e seus respectivos gametas em questão. Culpe teus descendentes, culpe os índios que sobreviveram e geraram teus avós graças a habilidade que tinham com os cavalos, culpe os europeus imperialistas que os trouxeram da europa. Culpe o florescimento das tribos, a resistência dos organismos, a evolução das espécies, a matemática dos babilônios, a escrita cuneiforme, as irrigações no Nilo. Culpe a tudo e a todos pelo teu papel na história...
Dolores:... e ninguém será culpado.
Coco: Porque alguém deveria? Os planetas, se pensassem como nós, pensariam estar no mais terrível tártaro, girando eternamente em torno de uma fogueira fantasmagórica no meio da escuridão de lugar algum. Mas...
Dolores:... apenas fazem as suas revoluções silenciosas.
Coco: EUREKA!